CAPITULO 24- w i t h o u t & w i t h

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- Você está bem? - Alice perguntou, me tirando do transe.
- Sim.
- Já são quase cinco...
- Pois é, a professora já vai chamar. Fique calma.
Precisando de uma companhia, convidei Alice para fazer ballet comigo e ela aceitou, já que também não fazia muita coisa no dia-dia. Sentadas na sala de espera, ela tagarelava sobre como não tinha conseguido encontrar a cor certa de sapatilhas, mas eu não conseguia focar no assunto. Tudo o que eu encarava era o lugar onde Ian havia falado comigo pela primeira vez. Lembrando de quando ele começou a tirar a camiseta pra trocar de lado, eu soltei uma risada baixa.
- O que foi? - Alice perguntou.
- Você já se perguntou por que as coisas boas da vida terminam tão rápido?
- Não...somos amigas a 17 anos, essa regra não se aplica a nós duas.
- Quer dizer, não com amizade, mas sabe...
- Sei. Ian. - Ela revirou os olhos, era o que Alice fazia quando eu o mencionava.
- Pense comigo! Nós nos conhecemos por tão pouco tempo e passamos por tanta coisa...
- Talvez esse tenha sido o problema, Lisa! - Ela me interrompeu - Vocês foram rápidos demais. Tudo que começa rápido termina com a mesma rapidez. Duas semanas e você já estava conhecendo a irmã morta do cara...nunca que isso ia dar certo.
- Ela não está morta! - Repreendi.
- Morta, em estado vegetativo, em coma...é tudo a mesma coisa.
- Alice!
- Ok, mil desculpas.
Os cinco minutos seguintes foram de puro silêncio. Me incomodava a ideia de Amora realmente morrer, então eu não gostava que falassem assim dela.
Quando a professora chamou, Alice estava toda animada, a aula correu bem.
- Você não acha que precisamos de férias? - Ela comentou quando a aula acabou.
- Você acabou de começar! - Dei risada.
- Não, boba, não da aula...mas sei lá, tem quanto tempo que não viajamos juntas?
- Acho que uns três anos...
- Então! Sei lá, talvez não seja uma má ideia tirarmos um fim de semana só pra nós duas, ir pra Angra, dar uma passeada... eu sinto a sua falta, Lizzy.
- Você me vê todos os dias!
- Eu sinto falta da Lizzy de antes.
- Alice...
- Não, Lisa, sério! Sinto falta de ver seu sorriso, de ver você em paz, isso aqui é tão estranho. Às vezes você da umas risadas mas eu sei que é porque sua cabeça está em outro lugar, em outra pessoa e não me importo, sabe? Entendo que ele te trouxe luz e paz, mas isso acabou, Lisa...eu estou disponível pra tentar fazer você voltar a vida, você é minha melhor amiga, eu preciso de você.
- Eu posso pensar?
- Pode! - Ela se animou. - Agora me deixe ir, preciso pegar o metrô, não sou nenhuma Lisa Wengrov. - Soltou, me fazendo rir.
- Eu posso te dar carona, se quiser
- Não precisa! Eu adoooooro aquele metrô.
Ela me mandou dois beijos e saiu pela portaria do studio. Não que Alice não tivesse razão, porque eu realmente andava tristinha, mas eu também não estava preparada para colocar um fim na minha história com Ian. Eu sentia falta dele, não sabia se era certo fingir que nós nunca existimos. Percebendo que estava melancólica, resolvi ir a pé pra casa. Eram apenas algumas quadras e eu precisava pensar. Nada que um fone de ouvido e uma caminhada não resolvessem.
O Rio de Janeiro sempre foi a minha casa, disso ninguém poderia duvidar. Não porque vivo nessa cidade desde bebê, mas porque eu me sinto em casa aqui. Não é calmo, nunca foi, os carros fazem competição de quem tem a buzina mais alta e os ônibus estão sempre fazendo barulho, as pessoas falam alto e tem sempre um cachorro latindo, mas ainda assim é o meu lar. Gosto do jeito que a cidade está sempre quente, mas também bate um vento que parece que renova a alma, acolhe o coração. Gosto de ver o Cristo todos os dias, gosto das palmeiras do jardim botânico, gosto do meu cantinho... gosto da máquina de bolinhas de 1 real das bancas de jornal. Tenho coleção dessas bolinhas.
- Troca por duas de 1 real, José?
- Lisinha! Quanto tempo você não passa na banca...
- Pois é, hoje resolvi expandir a coleção, será que tem bolinha nova? - Entrego a ele uma nota de dois reais.
- Te contar, minha filha, ninguém mais brinca com isso. - Ele me devolve duas moedas de um real, e eu coloco na máquina.
- Viu, José? Hoje eu tirei a sorte grande.
O que saiu foram uma bolinha verde e uma cor de rosa. Eu sempre gostei de rosa.
- E o que tem de revista boa por aí?
- Entra aqui e fica a vontade, minha filha.
Eu e José temos uma relação de anos. Quando eu era criança e minha mãe me trazia pra comprar bolinhas, ele sempre me dava um pirulito.
Comecei a folhear umas revistas de moda, mas nada prendeu muito minha atenção.
Até que eu a vi.
Agnes Masquerin na capa de uma revista local.
Eu sempre soube que Agnes era mais bonita que eu, e mesmo sem vê-la por um mês aquilo não tinha mudado. Na capa, ela estava de biquini, apresentando a coleção nova de uma marca famosa.
- Vou levar essa - Comuniquei José. Foda-se, eu gostava de me torturar.
- Cinco e setenta, Lisinha.
Eu entreguei 10 reais e pedi para que ele ficasse com o troco, já que eu precisava compensar pelos pirulitos.
Coloquei a revista na bolsa e parei pra pensar em um lugar calmo pra ler.
Alguns minutos depois, eu estava na porta do Jardim Botânico, apresentando meu cartão de "Amiga do Jardim Botânico", já que agora eu era uma visitante frequente do lugar.
Resolvi me sentar no restaurante que estava fechado quando eu e Ian esperamos a chuva passar. Nós nos sentamos na madeira da entrada, mas sozinha eu me sentei numa cadeira. Eu era a única cliente no local.
- Posso te oferecer alguma coisa? - A garçonete perguntou.
- Um suco de laranja está ótimo.
- Já trago pra você.
Agradeci e coloquei a revista sobre a mesa, respirando fundo antes de abrir e me arrependendo profundamente de ter comprado.
"AGNES MASQUERIN ANUNCIA COLEÇÃO NOVA DE CHERRI LEVAUT"
"AGNES MASQUERIN DIZ O QUE ACHOU DA NOVA NOVELA DAS NOVE: 'Muito interessante -diz modelo -gosto de como a moda é apresentada na novela, a Globo está fazendo um ótimo trabalho"
"AGNES MASQUERIN COMENTA SOBRE FIM DE NOIVADO"
Oi?
Resolvi ler novamente, aquilo não podia estar acontecendo
"AGNES MASQUERIN COMENTA SOBRE FIM DE NOIVADO: 'Eu e Matthew estávamos em épocas diferente da vida, sempre gostei mais de curtir e ele é mais do trabalho...mas desejo tudo de bom em sua vida, apesar de tudo, ainda continuamos bons amigos'
AGORA SOBRE NOVAS PAQUERAS:
'Não tenho muita intenção de namorar, acabei de sair de um relacionamento longo e não acho que seria apropriado, por enquanto estou apenas revendo alguns amigos da adolescência e pretendo aproveitar minha vida de solteira' - a modelo continua."
Revendo alguns amigos da adolescência?
- Você só pode estar de brincadeira, Agnes! Seja menos específica! - Falei, jogando a revista na mesa novamente, eu estava cansada daquela palhaçada. Óbvio que os "amigos da adolescência" era apenas uma pessoa. Ian. Agnes e Ian estavam juntos novamente.
- Senhorita? Algum problema? - A garçonete estava com meu copo de suco na mão e uma cara de quem está assustada.
E eu estava ficando louca.
- Não, está tudo certo.
- Ok. - Ela deixou meu copo na mesa e saiu rapidamente, provavelmente estava com medo.
Mas aquilo não saía da minha cabeça. Agnes e Matthew estavam oficialmente acabados, ela estava revendo amizades antigas e eu não sabia de Ian. E eu nunca mais saberia de Ian.
Resolvi ligar para Alice.
- Hey, miguinha.
- Pensei no que você disse...acho que podemos viajar no fim de semana.
- Jura? Não vai atrapalhar seus estudos nem nada?
- Alice, nós fazemos a mesma faculdade!
- Mas eu nem ligo, você que é toda nerd. Posso comprar nossas passagens então?
- O que você acha de pegarmos a estrada?
- Ir de carro? Não acha perigoso, não?
- Como seria perigoso, Alice? São só algumas horas até Angra, podemos ficar na casa de praia dos meus pais.
- Ótima ideia. Preciso arrumar a mala, o que você vai levar?
- Alice, hoje é terça-feira ainda!
- E dai? Eu sou precavida. Nós vamos na quinta, né? Olha aí, só tenho dois dias pra me organizar.
- Leve o que quiser, pegamos o carro da empresa e ninguém vai notar.
- É uma delicia ter amigas ricas. Beijo beijo.
- Tchau tchau.
Desliguei já arrependida. Talvez não fosse uma boa ideia passar quatro dias ouvindo Alice falar sobre como Ian foi uma péssima escolha na minha vida, porém talvez também não fosse má ideia deixá-la me convencer disso. Eu precisava tirar Ian da cabeça, principalmente agora que as chances dele estar com Agnes se tornaram ainda maiores.

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