Capítulo 20

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Será que Jess entendeu o que eu estava tentando falar? Manu ruminou os pensamentos, enquanto observava sua mãe andando inquieta pelo quarto. Ele queria avisá-la que tudo ficaria bem. O máximo que conseguiu foi mover o corpo astral para fora do corpo físico e abraçá-la, até que ela sentisse tranquilidade suficiente para descansar um pouco.

Jasmine não dormiu desde o momento em que colocou os pés no hospital, com receio de deixar o filho sozinho e de que algo pudesse acontecer quando ela estivesse longe. O marido estava se preparando para fechar o mercado mais cedo e ir visitar o filho.

Manu olhou para o próprio corpo na cama. Sua aura estava mais clara do que costumava ser, mas ele não estava tão ruim quanto imaginava que estaria. A lembrança de Jess na floresta, o pânico nos olhos dela. Manu não entendia completamente o que estava acontecendo naquele plano. Ele lembrava vagamente de Anna. O que ela estava fazendo ali? Ele não tinha ideia. Tudo o que Manu tinha certeza era de que não poderia esperar nada de bom vindo de alguém como Anna. Após rasgar o véu da ingenuidade e presenciar tudo o que ela era capaz de fazer para alimentar sua sede por poder, Manu sabia que independente do seu coração esperar o melhor das pessoas, almas que foram infectadas pelo mal dificilmente encontram a luz novamente.

Ele avançou em direção à porta. Tentou abri-la, mas percebeu que não era preciso. O corpo atravessou com facilidade. Manu tentou enxergar o corredor do hospital, mas tudo estava mergulhado na escuridão. Foi como quando estava indo para um mapa desconhecido em seus jogos de RPG e a internet falhava bem na hora, deixando uma tela preta naquela parte.

– Tem alguém aí?

A voz de Manu ecoou. Olhou para o vazio e os pensamentos saltaram até Jess. Ele começou a vagar pelos corredores, tentando lembrar de algo importante. No mesmo segundo, foi como se ele havia visto Jess repetindo: "Eu sei que preciso terminar de ler aquele livro maldito". Os pensamentos se repetiram sem parar, como em um maldito pesadelo. Manu se arrependera de não ter contado para os amigos sobre o livro de Petrus e, agora, sem entender claramente o que ele quis dizer, Jess estava se colocando mais uma vez em perigo.

Sentiu um toque no ombro e arrepiou ao escutar a voz suave e visualizar a imagem fantasmagórica de Sylvanus.

– Você precisa descansar em um lugar seguro.... Volte para perto do seu corpo o mais rápido possível...

– O que é esse lugar? Eu estou alucinando? – Manu coçou os olhos, enquanto observava Sylvanus aparecer e desaparecer, como se ele não estivesse completamente ali.

– Minha criança, confie em mim. Vá para o quarto, antes que criaturas malignas se aproximem. Sua energia está fraca. A última coisa que você precisa no momento é de que algum espírito tente possuí-lo. Se você quiser ver seus amigos novamente, precisa me escutar. 

Manu queria abraçar Sylvanus e pedir ajuda de como sair daquela situação, mas simplesmente assentiu e voltou correndo para onde estava o próprio corpo físico. Fechou os olhos e sua mente mergulhou no vazio.

***

– Então? – Babi tentou acalmar Jess, quando ela saiu do quarto.

– Manu disse algo sobre o livro. Eu acho que mais do que nunca, eu preciso enfrentar os meus medos e descobrir o que preciso naquele livro maldito.

– Você tem certeza de que é isso que ele disse? Seus instintos não andam muito bem ultimamente, Jess. Eu não quero que pareça como se estivesse tentando te colocar para baixo, mas você já parou para pensar que a morte quase chegou para todos nós? Se esse livro realmente está cheio de feitiços e rituais de magia negra, você precisa tomar todo o cuidado possível.

Os olhos de Jess e de Babi se encontraram. Uma tensão elétrica se formou no ar, era possível sentir as energias.

– Você não está pensando em realmente seguir em frente com isso, né? Já temos problemas demais! – Babi puxou o braço de Jess, quando as palavras ferinas escaparam. – Preciso te lembrar de que sua mãe está com aquelas coisas...

Foi como se um dragão tivesse acordado dentro de Jess.

– Você não está pensando que vai me impedir! Babi, você não tem ideia da dor que eu estou sentindo. Torço para que nunca descubra... – Jess puxou o braço dela e teve que se controlar para não empurrar Babi.

– Eu vou com você. Pode ficar com raiva de mim, me xingar, o que quiser... Mas você precisa deixar de ser teimosa. Sei que Léo não estará lá agora e que o Manu está inconsciente, mas eu estou aqui. Nós somos um círculo e devemos permanecer unidos. Nós fizemos um voto sagrado. 

Jess aspirou as palavras de Babi e assentiu. Não havia o que discutir com a amiga quando ela colocava alguma coisa na cabeça. Não era à toa que as duas se davam tão bem.

– Vamos!

***

Apesar de morar em uma casa enorme, Léo nunca se sentiu tão sufocado, como se as paredes estivessem esmagando o seu peito. O pai pedira para que ele não saísse dali, até que conversassem. Não era como se ele tivesse sido responsável pela morte do motorista, mas se ele não era culpado, por que se sentia como se fosse ele mesmo que tivesse capotado o carro?

O gosto amargo subiu pela garganta, quando ele escutou que o pai havia voltado para casa.

– Então... Estou de castigo? – perguntou Léo.

– Claro que não, meu filho. Sua mãe e eu estamos preocupados. Eu sei que não falamos muito sobre isso, mas você é especial para nós. – Carlos passou a mão na cabeça de Léo. – Você sempre vai ser o meu garotinho.

Léo sentiu os olhos se enchendo de lágrimas e virou o rosto para o lado para tentar esconder.

– Sua mãe está conversando com a esposa do motorista. Nós vamos pagar para ela um valor referente aos anos de trabalho e mais uma quantia para que ela possa ter uma vida tranquila durante um bom tempo.

– Desculpa, pai... – Léo não sabia quando tinha sido a última vez que passaram juntos um tempo. O pai e a mãe estavam sempre trabalhando. Ele só não se sentia tão só por causa dos funcionários e agora um deles estava morto por tentar ajudá-lo.

– Agora, você quer me contar o que aconteceu? A seguradora falou que o carro deu perda total.

– Eu já te disse... Estava chovendo muito forte. O carro acabou derrapando e capotou no que estava na frente.

– Estranho. E o que aconteceu com o motorista do outro carro?

– Não faço ideia. Quando nós conseguimos sair do carro, ele já não estava lá. Tudo aconteceu tão rápido. – Percebendo que o pai não estava acreditando em uma única palavra dele, Léo sabia que precisava mentir melhor. – Deveria ser algum jovem sem carteira de motorista. Ele deve ter ficado desesperado por ter se envolvido no acidente e fugiu, para que não tivesse problemas.

– Você sabe que sua mãe vai te encher de perguntas... Vocês não estavam bebendo, não é? Ou fumando... Meu Deus, não me diga que era algum tipo estúpido de corrida. – Léo se lembrou de quando provocara um incêndio sem querer, quando estava tão chateado, que só o álcool preenchera o vazio.

– Calma, pai. Eu prometo que não estávamos fazendo nada de errado. Não é sem motivo que chamam de acidentes. – Léo abriu um sorriso amarelo, tentando mascarar as emoções. – Até que horas vou ter que esperar?

Léo estava inquieto. Tudo o que mais queria naquele momento era estar perto dos amigos. 

– Depois de conversar com sua mãe. Eu sei que você está preocupado com Manu. Foi um choque para todos nós...

– Estarei no meu quarto.

Ele subiu as escadas. Léo trancou o quarto e observou pela janela se a mãe estava chegando. Não aguentaria ficar ali mais um minuto sequer. Colocou a carteira e o livro das sombras em uma mochila, trocou de roupa e saltou para fora. 

Léo correu pelas ruas. O coração explodia entre dor e ansiedade. A mente parecia estar girando. Aquela sensação incômoda de que o pior estava por vir. 

O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora