Capítulo único

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Várias pessoas circulavam e alguns casais dançavam. Uma música suave tocava. Nunca tinha ouvido algo assim. Era encantador, quase hipnotizante.

Andei devagar pelo salão enquanto apreciava a decoração. Era estranho estar aqui. Sempre vi tudo de longe e desejei poder participar, e olhe só, aqui estou eu. Sorri com esse pensamento e acabei esbarrando em alguém.

— Me desculpe. — Sussurrou segurando meus braços gentilmente.

Senti a pele arrepiar e por um momento perdi o folego. O que era isso?

— Você está bem? — Questionou soltando meus braços e dando um passo para trás.

Levantei os olhos e fatalmente encontrei com os seus verdes. Mesmo sob a máscara preta que ele usava, conseguia ver o quão intenso e penetrante eram. Era ele. Jamais confundiria aquela cor.

— Sim. Obrigada! — Agradeci sorrindo levemente.

Ele assentiu concordando e sorriu enquanto se curvava levemente para frente.

— Sou Príncipe Afonso. — Se apresentou.

Eu sei, afinal é por você que estou aqui! Pensei enquanto segurava o vestido e fazia reverência.

— Estela... Alteza. — Encarei novamente seus olhos.

Não conseguia desviar. Era como se me chamassem. Sempre foi assim, desde a primeira vez que o vi em sua varanda.

Era uma noite quente de verão e em certo momento Afonso levantou os belos olhos verdes. Pude jurar que estava olhando diretamente para mim e quem sabe estivesse, mesmo que não soubesse quem eu era. Desde esse dia nunca mais o esqueci. Todos os anos eu o esperava, mesmo que para apenas admira-lo de longe. Isso já bastava

— Um belo nome para uma bela dama. — Comentou galanteador.

Baixei os olhos sentindo as bochechas ficando mais quentes. Ficar em sua presença, assim tão perto, me afetava mais do que pensei. Essa noite seria mais intensa do que esperava.

— Você é de que local? Certamente uma princesa... — Sugeriu me olhando de forma avaliativa.

Neguei com a cabeça. Não, eu não era uma princesa. Nem ao menos era daqui. Pertencia a outro lugar.

— Não Alteza. — Neguei — Sou de um lugar distante, mais acima.

— Das montanhas? — Perguntou e neguei novamente, rindo baixo — Você é muito misteriosa senhorita.

Sorri e apenas dei de ombros. Misteriosa? Ele ainda não viu nada. Existiam muitos mistérios que as pessoas nem ao menos sonhavam.

— Então já que não me dirá de onde é... — Estendeu a mão — Ao menos concede a honra desta dança?

Encarei sua mão estendida em um claro convite e antes que pudesse pensar em recusar coloquei a minha sobre. Vi seu sorriso aumentar e gentilmente ele a apertou, me puxando mais para o meio do salão.

Com uma delicadeza que não sei se era nata da realeza, ou apenas mais um dos seus charmes, Afonso me tomou nos braços. Sua mão pousou em minha cintura mantendo-me perto de si, enquanto sua outra sustentou a minha no ar, iniciando nossa dança.

A música tinha mudado. Ainda era uma melodia suave, porém essa era mais envolvente, se assim posso dizer. Era como se nos pegasse no colo e embalasse ninando.

Podia sentir o calor que emanava do seu corpo e por incrível que pareça era reconfortante. Me mantinha mais centrada, lembrando de onde pertencia e que infelizmente não era ali.

— Você nunca esteve nos outros bailes. — Comentou perto do meu ouvido, causando uma pequena onda de arrepios pelo meu corpo — Eu com certeza lembraria.

— Não, este é o primeiro. — Confessei.

— Então tive a sorte de lhe encontrar. — Se afastou um pouco para olhar em meu rosto.

— Não sei se existe mesmo isso de sorte. — Sussurrei dando levemente de ombros — Acho que somos nós que fazemos as coisas acontecerem.

Um sorriso de canto surgiu em seus lábios enquanto girava pelo salão, me levando junto.

— Sábias palavras Srta. Estela. — Comentou ainda sorrindo.

— Obrigada! — Agradeci.

— Então digamos que você esteja certa e que somos nós que fazemos acontecer... — Começou parando de nos mover pelo salão, fazendo com que encarasse seus olhos verdes — Como faço para acontecer um próximo encontro?

Encarei Afonso em silêncio por alguns minutos. Encontro? Não podíamos ter um encontro. Nem ao menos o veria novamente, pelo menos não assim de perto. Então como dizer a ele que jamais nos encontraríamos? Como explicar que eu o amava desde a primeira vez que o vi, mas que esse amor era impossível? Senti o coração se apertar em angustia e meus olhos se encherem de lágrimas.

— Estela... O que foi? Falei algo errado? — Perguntou tocando minha bochecha carinhosamente.

Neguei com a cabeça sem conseguir formular nada concreto para lhe falar. Minha garganta estava fechada e a tristeza me consumia. Será que tinha feito certo em descer? Agora sabia como era aqui. Tinha visto Afonso de perto e o toquei como tantas vezes desejei, mas de que adianta se não posso ficar? Se aqui não é meu lugar?

Sem pensar me desvencilhei de seus braços e caminhei com presa em direção à saída do salão. Precisava voltar antes que isso me machucasse ainda mais. Desci os degraus da frente do castelo procurando no bojo do vestido o pequeno frasco da poção que Luna me entregou caso alguma coisa acontecesse.

— Não, não vá! — Afonso pediu me segurando pelo braço.

— Eu preciso! — Confessei angustiada — Aqui não é meu lugar.

— Mas... — Começou confuso.

— A vida inteira sonhei em estar aqui. — O interrompi fazendo com que me olhasse ainda mais confuso — Eu olhava lá de cima e desejava com todas as forças poder descer, nem que fosse por apenas uma noite.

— Não entendo... — Franziu a testa.

Cheguei mais perto dele e sorri tocando seu rosto. Passei a ponta dos dedos pelas suas sobrancelhas bem desenhadas e desci aos lábios. Ele acompanhava meus gestos, mas não me impedia.

— Sempre vou estar olhando por você... Para você. — Sussurrei chegando mais perto dele.

Nós nos encarávamos intensamente. Afonso ainda estava visivelmente confuso e ficaria assim, afinal não tinha como explicar tudo. Lentamente toquei meus lábios nos seus, sentindo a macies e o calor. Guardando-os em minha mente.

Quando me afastei notei seus olhos meio marejados. Será que Afonso estava sentindo o mesmo que eu? A ligação inexplicável que tínhamos. Aquela que senti na primeira vez que o vi? Torci para que sim.

Sorri enquanto me afastava. Soltei sua mão aos poucos e virei descendo os últimos degraus. Já conseguia sentir o formigamento e o calor característico surgindo e se espalhando pelo meu corpo. Estava chegando a hora.

Quando estava perto da fonte respirei fundo e virei novamente. Afonso ainda estava parado no mesmo degrau enquanto me observava. Consegui capturar seus olhos um pouco arregalados e dei um pequeno sorriso.

Sim Afonso, é isso mesmo que você está achando. Pensei enquanto meu corpo começava a ganhar o costumeiro brilho.

Fechei os olhos edeixei que me levasse de volta para cima, onde era meu lugar. Afinal o que seria do céu sem suas estrelas?


Quando a noite chegaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora