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O bar não é tão perto de onde estamos então temos tempo para conversar enquanto andamos.

-Você canta a muito tempo no bar? -Pergunto.

-Sim. É meu trabalho de verão a mais ou menos uns três anos.

-Então você não é daqui?

-Não sei. Eu meio que moro por aqui nas férias, mas em breve eu vou morar em tempo integral.

-Como assim? Quer dizer desculpa, não é da minha conta.

Eu não gosto de pessoas que perguntam demais, mas percebo que estou sendo essa pessoa, e nem é algo por mal, só estou curiosa, de verdade.

-Desde pequeno eu venho aqui, com a minha mãe para aproveitar as férias, nós temos uma casa aqui. quando eu tinha uns quinze anos eu consegui esse trabalho, era muito legal porque eu estava realizando meu sonho de ganhar dinheiro com o que eu gosto, sabe? - Eu concordo com a cabeça- No mesmo ano ela teve um imprevisto e teve que voltar para a cidade e eu fiquei aqui.

-Sozinho? Com quinze anos?

Ele concorda.

-Eu tinha um contrato. Eu precisava esperar o verão acabar para ir embora.

-Nossa você deve ter aprontado muito.

Ele dá uma gargalhada, o que me surpreende. Mas depois eu começo a rir também. Decido que o sorriso dele é a melhor coisa da minha noite.

-Nem tanto. A minha liberdade teve que vir com responsabilidade. Mas foi legal. -Ele olha para mim. -Você também não é daqui. De onde você é?

Agora era a minha vez na rodada de perguntas, eu não gosto muito de falar da minha vida, mas ele foi tão simpático saindo de uma festa para ir buscar meu caderno e respondendo o que não era da minha conta,que decido fazer o mesmo.

-Eu não sei se sou de algum lugar. Meus pais mudam muito de cidade, a gente não fica muito tempo em um lugar só. Mas esse verão a gente está aqui, eu aprendi que é isso que importa sabe? Não de onde você veio e nem para onde você vai, mas onde você está.

-Nossa que profundo. - Comenta.

-Eu gosto de coisas profundas. -Dou uma risada triste.

Eu não sei como aconteceu, mas estamos andando tão perto um do outro que as nossas mãos quase se encontram.

-Você canta muito bem. - Falo para não ficar aquele silêncio chato.

-Obrigada. -Ele olha para mim. Ele é uns vinte centímetros maior que os meus 1,60, então tenho que olhar para cima para nossos olhares se cruzarem. -Seus desenhos são excelentes. Adorei o que você fez de mim.

Eu fico sem graça, não porque o desenho é algo ofensivo nem nada, mas porque parece estranho e invasivo de um jeito bem ruim.

-Desculpa. Eu não deveria... -Começo a ficar nervosa, como se tivesse sido pega roubando algo- Olha o meu hobby é desenhar coisas bonitas que eu vejo por ai, coisas...

-Você me achou uma coisa bonita?

-Você é lindo. - Falo sem pensar. Sinto minhas bochechas corarem na hora.

Abro a boca para falar alguma coisa, mas nada sai.

-Obrigada. - Ele sorri daquele jeito bonito de novo. -Você não precisa se explicar. E você também é linda.

-Não me elogie só porque eu estou te elogiando. - Replico.

-Eu não estou fazendo isso. Estou sendo sincero. Você é bonita de verdade. Fiquei triste por você ter vindo atrás do caderno e não de mim. -Ele sorri.

Eu ainda estou sem graça, mas essa eu consigo responder.

-Um pouco saidinho você, não é?

Ele sorri mais uma vez. As borboletas no meu estômago ficam todas ouriçadas.

Então chegamos ao bar, ele me leva para uma porta que não dá para ver logo de cara, abre ela e me dá espaço para passar enquanto liga as luzes.

-O caderno está em cima do balcão. -Fala de fora enquanto me espera voltar.

Nem preciso procurar para achar. Me sinto muito mais aliviada assim que eu sinto o couro da capa. Voltou correndo para fora.

-Você salvou a minha vida hoje. -Falo enquanto ele apaga as luzes e tranca a porta. -Desculpa por atrapalhar a sua festa.

-Não se preocupe, estava uma chatice antes de você chegar. -Ele responde e meu coração dispara.

Então é essa a hora que cada um vai para a casa e nunca mais se vê. Mas não é isso que eu quero. Não mesmo.

-Você quer ficar com o seu desenho? Tipo para não ficar aquela coisa estranha de eu ter um desenho seu e tal.

-Eu só aceito se você ficar com o meu número. - Eu faço uma cara de "sério?" e dou um sorriso enquanto ele conclui. -E aparecer por aqui no bar algum dia para me ver cantar, ou sei lá, pra gente tomar alguma coisa.

-Eu provavelmente não vou poder sair por alguns dias, mas eu topo sim, topo muito.- Quero beijá-lo enquanto ele me olha e sorri. -Eu tenho que ir agora.

Eu não quero me despedir, mas tenho que voltar correndo para casa.

Ele não responde, apenas abre os braços para me abraçar e eu me permito isso. Sinto seu cheiro mais de perto cheiro de brisa marítima, um cheiro que eu provavelmente vou sentir muito de agora em diante. A gente se afasta.

-Tudo bem. Mas a gente se vê? - A pergunta parece ser bem sincera.

-Claro. Temos o verão todo pela frente.

Brisa MaritimaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora