I • Sangue Novo

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A primeira luz da manhã entrava pela única janela do escritório, que ficava no segundo andar do prédio principal do Departamento de Polícia da cidade, quando John Hale foi surpreendido com batidas na porta, e acordou assustado já quase no fim do seu turno, depois de ter cochilado por tempo indeterminado.

O turno havia sido tranquilo, sem muito para resolver, com um encerramento de caso e nada novo para lidar, mas mesmo assim, depois de vinte e quatro horas fora de casa, tudo que John desejava era sua cama. Ele nunca se acostumaria aos horários do emprego.

Godinski nunca batia, de forma que estranhou quando a cabeça careca e avermelhada, com seus olhos sempre cheios de olheiras, apareceu na fresta da porta. John se levantou, dando a volta na mesa para se aproximar, sabendo que o assunto era importante.

— Sua nova parceira está aqui e quer falar com você. — Ele havia se esquecido completamente que começaria a trabalhar com alguém naquela semana. Mas ela deveria ter aparecido no início daquele seu turno.

— Mande-a entrar — pediu.

Godinski abriu um pouco mais a porta e deu espaço para a mulher, que se encontrava logo atrás dele. Ela entrou na sala, já olhando John nos olhos e sorrindo ao se ver de frente a ele.

— Acho que você está um pouco atrasada. — John olhou no relógio de pulso e então voltou o olhar para a mulher. — Meu turno está quase acabando.

A mulher era esguia e bastante alta, quase alcançando os 1,95m de altura de John. Andava de uma forma muito felina, com passos largos, firmes e, ao mesmo tempo, maliciosamente femininos. Sua pele tinha uma cor excepcionalmente escura, como chocolate, agraciada com pequenas sardas quase imperceptíveis por toda a pele à vista dos olhos. Suas feições eram encantadoras. Ainda assim, ela parecia tentar esconder a ansiedade estampada em seu rosto.

— É um prazer conhecê-lo também, detetive Hale. — Ela estendeu sua mão direita, que era muito macia, John notou ao cumprimentá-la. Ao mesmo tempo, o homem notou o coldre lateral, que a mulher usava sobre sua blusa de malha.

Ela havia sido transferida de outra unidade e era já bastante experiente, ao contrário dos outros policiais que o Departamento havia apontado anteriormente, como parceiros de Hale, recém-saídos da academia. E foram dezenas deles.

— Me chame de John, por favor. — Ele então voltou o olhar para a porta e para o policial que ainda se encontrava parado ali, esperando por algo indefinido. — Pode ir, Godinski. Cuidarei da detetive a partir daqui.

— Ah, Payne. Payne Hastings. — A mulher o informou, sorrindo pela segunda vez desde que o vira, enquanto o outro homem saía da sala e fechava a porta atrás de si.

— É bom ter finalmente alguém experiente para trabalhar do meu lado, Payne. Mas saiba que mesmo que tenhamos o mesmo título no distintivo, quem faz e continuará fazendo as regras por aqui sou eu. Que fique claro.

John havia dado a volta em sua mesa enquanto falava, e se sentado atrás dela novamente. Olhava a detetive, que agora se encontrava de braços cruzados, o encarando com olhar desafiador e expressão totalmente diferente.

— Eu tenho mais experiência do que você pensa, em se tratando de lidar com detetives que se acham os bons, Hale. — Enquanto falava, ela se aproximou da mesa e se inclinou, estendendo as duas mãos sobre o tampo do móvel, olhando o novo parceiro mais de perto. Seus olhos castanhos brilhavam e eram ferozes. — Sei que isso aqui é uma experiência nova pra você, mas terá que lidar com o fato de que estamos de igual para igual.

Ele gostou dela. Era diferente e a admirava pelo fato de que o enfrentara logo no primeiro dia, numa unidade onde ela, mesmo nunca tendo pisado os pés antes, já demonstrava soberania.

— Qual será o próximo passo agora? Vai pedir as chaves da minha viatura e o comando da minha sala? — John sorriu, em olhar de desafio, encarando-a exatamente nos olhos, e notou quando ela relaxou, percebendo que ele estava apenas a testando. — Bom saber que tenho alguém do meu lado que não deixa se abater, tenente. Você tem muita coragem. Seja bem-vinda.

— Muito obrigada. Vou fazer com que você não ache tão ruim trabalhar ao meu lado.

— Tenho quinze anos de experiência, Hastings. Já lidei com todo tipo de pessoas e sei me virar.

— Mas é provável que nunca tenha lidado com alguém com tantos anos de experiência quanto você.

— Não. — Ele deixou de sorrir e ela sentou-se do outro lado da mesa, encarando-o. — Mas não deve ser tão difícil.

— Sabe, tenente, eu também já lidei com todo tipo de gente, vi todo tipo de homicídio e prendi muitos tipos de assassinos, e disso tudo aprendi uma coisa. — Ela aproximou-se um pouco mais, o olhando nos olhos e sorrindo. — Nós sempre vamos nos surpreender de novo.

Hale a encarava, pensando no que ela havia dito. Tinha razão. Em todos os anos em que trabalhara, mesmo achando que já havia visto de tudo, sempre surgia algo fora do comum que o surpreendia. E isso poderia ser declarado sobre qualquer tipo de coisa.

A porta voltou a se abrir e Godinski apareceu novamente, suando e mais vermelho que o normal, pois provavelmente andara muito rápido até a sala do detetive.

— Eu sei que é o fim do seu turno, tenente, mas temos um caso e tenho certeza que você vai querer ir até o local.

Godinski era um dos policiais que trabalhavam na recepção do Departamento, recebendo ligações, passando recados e encaminhando viaturas, além de tudo que era possível fazer fora da área de telefonia do prédio. Tudo o que devia ser feito mais rápido, ou que deveria ser entregue em mãos, ou também pessoas que deviam ser encaminhadas a outras salas e o que normalmente precisava de um nível maior de confiança, era encarregado a Godinski, um homem em quem Hale confiava muito. O policial puxava o saco do tenente, que fazia bom uso das vantagens.

Por ser incapacitado para o trabalho nas ruas, devido a um acidente de trabalho que causara a perda de sua perna direita, ao invés de se aposentar por invalidez, ainda muito novo, o policial escolhera continuar servindo sua cidade da forma que podia, mesmo que fosse atrás de um balcão.

Payne já estava de pé e havia prendido seus longos cabelos castanhos num rabo de cavalo, além de ter vestido a jaqueta que havia deixado nas costas da cadeira ao entrar, tão silenciosamente que John sequer notara.

— Acho que nosso trabalho juntos já começa aqui, tenente. — Ela lançou a ele um sorriso. — Talvez eu não esteja tão atrasada assim.

John devolveu o sorriso e então voltou o olhar para o policial.

— Um homicídio?

— Sim, mas bem fora do normal, senhor.

— É disso que eu gosto. — Hastings disse, surpreendendo aos dois homens, que trocaram olhares surpresos, logo após a saída da empolgada tenente.

John a seguiu, preparado para o que quer que fosse.

[DEGUSTAÇÃO] O Riso Da Morte (Saga Hale & Hastings - Volume 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora