O fotógrafo

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O fotógrafo



Fabiano dos Santos Araújo

Todos têm suas vaidades. Dona Emília, mesmo em tão avançada idade, ainda mantém sua única vaidade, tirar uma foto no dia do seu aniversário.



Há muitos anos uma velha senhora, última moradora do antigo e áureo Bairro das Laranjeiras, que ficara por tantos anos esperando na frente das janelas do casarão, admitiu à família que ficava lá esperando por alguém. Havia sido um dia cansativo para Dona Emília, naquela idade, dias cansativos não eram raros.

Muitos dos seus familiares se perguntavam o motivo daquela afirmação. Talvez fosse o peso dos anos, especialmente agora que o dia em que completaria mais um ano se aproximava.

Entre os criados um rumor repassado por décadas ganhou força novamente, de que Dona Emília esperava na janela por seu amor da juventude, um jovem de uma sem nome que foi enxotado por seus pais semanas antes do seu casamento, diziam que ele prometeu um dia voltar.

Nenhum dos criados nunca teve audácia o suficiente para repassar essa história para os descendentes de Dona Emília, o temor de que a história fosse mal recebida não valia o risco.

Nos anos e anos de espera, consumia bons bocados dos dias olhando pelas janelas, esperando a visita desse alguém.

Dona Emília sempre fora de família abastada e seu casório arranjado proporcionou a ela uma vida ainda melhor do que já tinha com os pais, se é que isso era de alguma forma possível. Seus pais sorriam radiantes sempre que se lembravam do "bom futuro" que concederam a filha. O matrimônio fora arranjado, mas empatia não é algo que se arranja.

Desde cedo o marido era pouco afeito a demonstrações de carinho, ou mesmo de qualquer tipo de apreço. Ele jamais demonstrara se importar com o tempo que a esposa passava em frente às janelas vendo o mundo lá fora. O que ele via era apenas uma mulher sentada bordando ou tricotando.

Dona Emília nunca precisaria trabalhar, por isso gastava seus dias a bordar, pintar, ler e sonhar, provavelmente a palavra prendada fora criada exclusivamente para ela.

Com o passar dos anos faltaram paredes para os quadros pintados por ela, sempre relatavam a visão que cada uma das janelas dava para o mundo que existia além do portão.

Enxovais para famílias inteiras foram bordados, até mesmo os bisnetos não precisaram encomendar os seus. Mesmo com a grande família que surgiu com o passar dos anos, faltaram pescoços e invernos para os cachecóis, troncos para os casacos, ombros para os xales e pezinhos miúdos para os sapatinhos de bebê.

Mas ainda assim, com tudo isso tendo a função de ocupar sua mente, mãos e tempo, o vazio que a levava todos os dias a ficar tanto tempo de frente às janelas não era preenchido.

Dias, meses e anos se foram levando consigo a juventude e vitalidade de Dona Emília.

Um dia ela parou, mas o tempo não. As pessoas e o mundo a sua volta também não. É dito pelos mais velhos que a ordem natural das coisas consiste na simples ação do tempo, de que os mais velhos se vão para que os mais jovens tomem o seu lugar. Quantos filhos seguem e seus pais acabam ficando para trás?

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