XIX - Conquistas e Derrotas - Tenebrisen

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Tenebrisen olhou a criança correndo para fora gritando pai sabendo que era mais um fruto da sua imaginação e pesar.

Como deixamos isso acontecer?

Nesse mesmo instante, Silena abriu a porta com brutalidade e declarou:

— Vem ver isso!

Saiu, olhou para o mar e sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

O dragão já estava quase na altura da garota e tentava pescar pousado em cima da pedra na beira da praia.

Bom, faz sentido, já que eles crescem conforme a necessidade e a habilidade do companheiro...

Silena se sentou na grama e indicou que Tenebrisen fizesse o mesmo. Na frente da garota havia diversos livros espalhados e um pequeno ninho com um pássaro recém nascido e um que parecia ter poucas semanas.

— Eu estava lendo o livro que você me deu de movimentos para invocar magia e encontrei um de guardiões da floresta que é utilizado para fazer plantas crescerem mais rápido. — Ela apontou para os desenhos de mãos na página do livro logo antes de folheá-lo até chegar em outra página marcada. — Aí eu vi esse de guardiões da cura que é tipo um básico para descobrir o que as pessoas estão sentindo. Então... — A garota pegou outro livro. — Eu estava lendo esse aqui, que explica de forma básica como as magias funcionam, e nele diz que quando se usa esse movimento para sentir as pessoas meio que quem o usou consegue entrar em alguém, como... Como se tivesse acesso a todo o funcionamento do corpo da outra pessoa. Entendeu?

Tenebrisen fez que sim com a cabeça, já havia lido aqueles livros diversas vezes, não precisava da explicação. Porém, não sabia onde a sobrinha queria chegar e tinha medo das possibilidades que passavam na sua mente.

— Então, — continuou ela, — eu tentei misturar esse movimento de cura com esse de floresta só que ao contrário e... Olha só. — Silena apontou para os dois pássaros na frente deles. — Eles foram botados juntos, aí em um eu fiz a magia em um e no outro não e veja: ele nasceu muito depois do irmão.

O guardião das sombras compreendeu tudo, mas preferia não ter entendido então só conseguiu perguntar:

— O que você queria fazer exatamente?

— Eu tentei... Bom, eu consegui, desacelerar o processo de envelhecimento de um ser vivo!

Tenebrisen fechou os olhos tentando ser o mais paciente possível sem deixar que seu medo falasse mais alto.

— Silena, primeiro: você não pode sair por aí misturando movimentos. Eles foram criados a centenas de contagens atrás para facilitar a invocação de magias, mas não são necessários para realmente invocá-las. Então você pode ter um objetivo, mas alcançar outro completamente diferente, principalmente se ele não for do seu domínio. Tenha cuidado! — Ele respirou fundo, assumindo um tom muito calmo, mas certamente preocupado. — E segundo: por que você faria isso?

Ela o olhou com o semblante decepcionado. Com certeza esperava um elogio pelo feito e não uma bronca.

— Eu pensei... Pensei que talvez conseguisse uma forma de passar mais tempo com o meu pai...

Para a infelicidade de Tenebrisen, sua teoria estava certa.

— Silena, — ele colocou a mão sobre seu ombro e falou com a voz serena, — nós guardiões temos dons que devem ser utilizados para ajudar e proteger pessoas ou ambientes. Não mudar a ordem das coisas. Um guardião do rio deve usar seu poder para cuidar de seu domínio e, em troca disso, lhe é permitido utilizar suas habilidades para outras coisas, mas não para mudar o rio de lugar. Se você...

— Você só pode estar brincando. — A menina não gritava nem soluçava, mas uma lágrima escorria pelo seu rosto e ela olhava fixamente para o chão. — Você usou seu poder para matar centenas, talvez milhares, de pessoas, eu nunca vou saber. Com ele, você lutou numa guerra que destruiu cidades inteiras... E você quer me falar sobre não mudar a ordem das coisas?

— Humanos são preparados desde crianças para viverem no ritmo deles, não pode simplesmente mudar isso de uma hora para outra. Olha esse pássaro que você imprudentemente usou para seu experimento. O que acha que vai acontecer com ele? Que os pais dele vão continuar lhe dando alimento mesmo depois de ter passado tanto tempo que ele deveria ter deixado o ninho? Que o outro não vai só atacá-lo como instinto por ser mais forte e querer garantir toda atenção dos pais? Prolongando a vida dele, você acabou com ela. Cada ser vivo se prepara para lidar com um tempo de existência para si e para seus semelhantes e...

— E quando estão velhos demais, hein?! — A garota o encarou já gritando, os olhos já avermelhados. — São preparados para morrer?

Tenebrisen não respondeu e desviou o olhar, retirando a mão do ombro da sobrinha.

— De todas as pessoas, — ela retomou a voz baixa, — eu achei que você seria quem entenderia.

Ele voltou a olhar para Silena.

— De todas as pessoas, sou eu quem pode te dizer para não ter esperanças com isso. Eu lamento ter que te pedir para aceitar, — a voz dele falhou e ele conteve uma lágrima, — que na melhor das hipóteses você ainda vai estar viva quando quase todas as memórias que tem de seus pais já tiverem desaparecido.

Tenebrisen se levantou com o objetivo de deixar a conversa antes que começasse a chorar efetivamente. Começou a caminhar até a casa, mas foi interrompido por dois braços finos passando por sua cintura. Ele se virou e abraçou de volta Silena, que se desfazia em lágrimas.

— Eu sei... — Disse o guardião passando a mão pela cabeça da sobrinha e deixando que o líquido salgado escorresse pela sua face. — Eu sei... 

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