EM NOME DO PAI, DO FILHO E DO ESPÍRITO SANTO

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— Padre, não vejo mais sentido em minha vida. Tudo ao meu redor desabou e agora a única coisa que vejo são trevas.

— Engraçado, eu não vejo isso... — disse o padre dentro do confessionário de uma igreja do bairro de Pinheiros.

— Porque não foi você que passou pelo que eu passei... Desculpa, padre, não queria falar assim com você.

— Não se preocupe com isso, meu jovem. Eu sei muito bem que todas as pessoas possuem problemas. E acredite ou não, até os ricos possuem problemas. E se quiser chamar isso de demônios pessoais, que chame — o padre dá uma pausa para beber água.

— Eu sei, mas quero sentir-me mais aliviado, pois não aguento mais esse peso insuportável do abandono.

— Saiba que Deus nunca abandou você.

— Eu acredito que abandonou, sim. Se Ele é o tal, por que deixa os seus filhos passarem por isso?

— Para testá-lo, ou fazê-lo mais resistente para a vida, para somente assim conseguir enfrentar os seus obstáculos — o padre retira os óculos e com movimentos circulares do seu dedo polegar, limpa as lentes engorduradas na batina, deixando à mostra uma cicatriz na pálpebra do seu olho esquerdo.

— Estou desempregado, fui abandonado pelos meus pais sem explicação alguma e perdi todas as esperanças em conquistar a garota dos meus sonhos.

— É mesmo? E você está procurando outro emprego? Será que não encontrará um melhor que o antigo? Será que os seus pais não querem conversar contigo? E dizer que perdeu todas as esperanças em conquistar a garota dos seus sonhos é algo muito vago, pois nada é impossível.

Allan reflete por alguns segundos, depois pede uma orientação:

— E o que devo fazer?

— Preste bem atenção, meu jovem, hoje a noite, acenda duas velas de sete dias, uma na cor vermelha e outra na cor amarela. Ofereça para Asmodeus, pois ele irá interceder por você junto ao seu anjo da guarda. Quando você estiver mais calmo, reflita sobre a sua vida e retorne na próxima semana, daqui a oito dias e neste mesmo horário. Não se esqueça, daqui oito dias e neste mesmo horário, certo?

— Tá, pode deixar, retornarei, sim... — Allan faz o sinal da cruz, se levanta meio confuso, pois nunca ouvira falar em católicos acendendo velas pretas ou amarelas, muito menos sobre o nome Asmodeus, mas como esteve afastado do catolicismo desde os doze anos, achou que deveria ser alguma modernidade da Igreja, algo para atrair mais fiéis depois dos escândalos sobre pedofilia e da concorrência das inúmeras igrejas cristãs criadas no país.

O padre Bezequiel também se levanta, sai do confessionário e após descer muitos lances de escada, caminha até uma pequena sala, no subterrâneo da igreja. Desconfiado, verifica várias vezes se alguém o está seguindo. Retira um molho de chaves do bolso e com a mão trêmula, abre a pesada porta, fechando-a logo em seguida, e com ela trancada, suspira aliviado. Retira a foto de um rapaz do bolso e contempla a sua face por alguns minutos, depois caminha vagarosamente até um estranho altar. Mas para o seu espanto, não está só:

— Parabéns, padre, está fazendo tudo certinho. São pessoas como você que fazem o meu trabalho render...

— Asmodeus, o que faz aqui? — disse o padre, pálido, ofegante e segurando a foto contra o peito.

— Calma, não vá morrer ainda, não é a sua hora. Vim apenas parabenizá-lo pelos trabalhos prestados ao seu mestre. É só continuar trazendo almas para o nosso lado, como a do jovem que estava há pouco com você no confessionário. Quero sentir o prazer em mastigar essas carnes jovens e macias por toda a eternidade — o demônio deixa escorrer uma fileira de saliva no canto da boca. — E parabéns, pelo belíssimo altar, está cada vez melhor. Essas imagens de deuses profanos são lindas.

— Por favor, não apareça mais assim, de repente. Ainda não consegui recuperar-me da perda...

— Humm, vou pensar. Mas você sabe que sempre estarei por perto e se eu perceber uma única falha sua, não o perdoarei. Sobre a sua perda, saiba que estamos cuidando muito bem dela no inferno — Asmodeus se desfaz em chamas, restando apenas uma marca enegrecida em formato circular no chão. O padre cai de joelhos, olha mais uma vez para a foto, depois se levanta e fixa o olhar num antigo livro em cima do altar, intitulado Táscio Cecílio Cipriano. Os seus olhos brilham e a sua feição de ódio revela que deixara a bondade perdida em algum lugar bem distante.

Agora ele sabe o que deve ser feito, ou pelo menos acredita que sabe.

Crossroads - Quando os destinos se cruzamOnde as histórias ganham vida. Descobre agora