Aviso: Esse capítulo contém cenas fortes e chocantes para algumas pessoas. É minha forma de retratar uma realidade negligenciada e muitas vezes ignorada pela sociedade. É minha forma de descrever uma realidade que existe lá fora e muitas vezes dentro de nossas casas, ou de nossas mentes.
Dedico esse capítulo à todas as pessoas que sofrem em silêncio e ninguém enxerga; à todas as pessoas que são pisadas, humilhada e continuam aqui; à todas as pessoas que um dia já pensaram em desistir. Eu dedico à você, que assim como eu, e como muitos, usa uma máscara todos os dias para esconder uma lágrima.
Você não está sozinho.
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Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável. - Augusto Cury.
(Lauren)
Uma semana havia se passado desde que eu contara sobre minha intersexualidade à Camila. No começo o medo foi maior que qualquer outro sentimento diante de uma verdade que eu costumava ignorar; falar sobre isso depois de tanto tempo chegava a ser assustador. Mas Camila era minha melhor amiga e ela tinha o direito de saber o porque de tanto segredos e desculpas esdrúxulas sobre minhas idas ao médico periodicamente. E agora, depois de uma semana, meu segredo também era dela, e, para o meu alívio, Camila continuava a mesma pessoa de antes, sem me tratar com indiferença ou pena. Nossa amizade estava em um estágio altíssimo e perigoso para mim, que me apaixonei por ela em algum momento do caminho que percorremos até aqui desde os sete anos; nossas brincadeiras eram íntimas, nossos abraços eram demorados e significativos, os toques...eu já não sabia mais se era mesmo apenas uma amizade o que tínhamos. Quer dizer, eu nunca amei alguém antes e não sei como isso funciona, mas penso que todas as borboletas e felicidade por tê-la por perto não se trata apenas de amizade. Era mais que isso. Não consigo tirar nosso beijo da cabeça, mesmo sabendo que para ela, não passa de amizade e que eu nunca seria o príncipe encantado que ela sonha encontrar um dia; Camila tem tudo de mim, o bom e o ruim.
Inclinei meu corpo contra a janela observando a rua escura e as luzes da casa de Camila acesas, apertei a lanterna duas vezes em direção a janela de seu quarto – aquele era o nosso código de "Você está aí?" –, e em poucos segundos a janela do quarto foi aberta por uma Camila sorridente e de pijama. Ela apontou a lanterna em minha direção, e piscou quatro vezes, um pedido para que eu fosse até sua casa. E mais uma vez sou traída pelos meus sentimentos, que alimentaram as borboletas em minha barriga com felicidade pelo simples pensamento de vê-la. Larguei a lanterna de lado e fiz sinal com a mão pedindo que ela esperasse.
Corri pelo quarto feito uma doida a procura da calça e da blusa de moletom cinza do meu pijama, tomando cuidado em não esquecer a touca preta.
– Mama, papa... – os chamei assim que adentrei a sala. Os dois apareceram da cozinha, ambos com expressões surpresas. – Estou indo na casa da Camila. Não me esperem acordados.
Minha mãe fez uma careta quando olhou para o relógio em cima da lareira, que marcava nove da noite.
– Sinu concorda com esse tipo de coisa? Vocês duas já se veem todos os dias na escola, não acha que é o bastante?
– Paapa! – choraminguei para o meu pai, que apenas riu e coçou a barba.
– Deixe as garotas, Clara. – ele disse, para a minha alegria. – Tenho certeza que Sinu e Alejandro não se importam com Lauren desde que ela não lhes dê trabalho.

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Uncover
Romance"Minha inocência permitira naquele momento que eu ficasse petrificada por breves segundos, admirando as pedras preciosas que Lauren carregava em seus olhos. Foi o primeiro contato de nossos olhos, mas a pequena garota desastrada dentro de mim teve a...