Poucos ciganos tinham aceitado a tarefa de fazer consultas aos regicidas na Torre Sul. Era normal, desconfiados por natureza, pensarem que aquilo fosse alguma armadilha e que seriam presos, e não pagos, ao fim da sessão. General Corbt advertiu aos seus subordinados para serem os mais corteses e gentis o possível, mas soldados não são especialistas em cortesia e, em alguns casos, bastava que se aproximassem dos acampamentos e os ciganos debandavam antes de poderem sequer trocar palavras.
Ainda assim, algumas sessões aconteceram, seus resultados foram anotados e os nômades, bem pagos pelo seu serviço. E é o que está prestes a acontecer em mais esse fim de tarde.
Exausta por aquela subida interminável, Selenita precisa apoiar a maleta de madeira sobre os degraus diversas vezes. Quanto mais perigoso o prisioneiro, mais no alto da torre ele se encontra e, bem, os assassinos do rei estão no topo, literalmente.
– Já passamos das nuvens? – brinca, ofegante, em um sorriso simpático, porém a iluminação escassa não permite descobrir se o carcereiro que a segue achou alguma graça. Resolve continuar o assunto de maneira mais prática – Espero que o pagamento valha a pena.
– O futuro rei nos fez prometer, senhora, deixá-los cobrar o quanto acharem justo.
– Isso é impressionante. – arruma os cachos escuros e volumosos sob o lenço enquanto seca o suor – Então nem todos os reis são porcos... – comenta a si mesma, segurando a alça da maleta e a erguendo novamente para enfrentar os próximos lances da escada – Devia cobrar uma moeda por degrau, terminaria rica.
Observa que, cada vez mais, o caminho se mostra escuro e o ar, apodrecido. As janelas dos primeiros andares se tornam menores e logo sua localização não é mais nas celas e sim nos pequenos intervalos entre elas e sua única função é ventilar o ambiente, não iluminá-lo.
– Vai ser difícil fazer alguma leitura assim, no escuro.
Ouve o riscar de um fósforo ecoando pelas paredes pedregosas e logo a bolha de luz quente de uma tocha os envolve. Nesse momento, Selenita preferia ter continuado sem enxergar:
Diversos homens semi-mortos esperavam a vida passar, jogados aos cantos de suas celas, sem se lembrarem que costumavam ser humanos. Misturados a fezes, baratas e ratos, com cabelos e barbas tão desgrenhados que não se adivinharia um rosto por baixo deles, jazem esqueléticos, derrotados.
Aqueles eram criminosos, homens que já acabaram com a vida de alguém, ela sabe. Mesmo assim, seu nariz e seu coração se sensibilizam. Mesmo porque, para tantos, todos os ciganos eram criminosos apenas por serem-no. Como não imaginar se o próprio carcereiro que a escoltava não tinha vontade de jogá-la em uma cela dessas se pudesse?
– Estamos chegando. – anuncia finalmente o seu sério acompanhante, pegando-a de susto em meio a seus pensamentos, e ela agradece à Mãe por poder descansar as pernas um instante que for.
Estacam diante de uma porta gradeada, pouco se adivinha do que está adiante. O carcereiro destranca o cadeado usando um molho de chaves tão velho quanto superlotado. Deve pesar horrores. A cigana segura sua maleta e inspira fundo, mas o odor a faz desistir no meio e ela tosse, enojada. O homem ao seu lado nem nota, parece não se incomodar com nada.
Alguns degraus à cima estão os prisioneiros de honra. Há muito menos tempo que os demais, é nítido: ainda têm alguma energia e barbas relativamente curtas. Mas algo muito estranho está acontecendo ali.
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O Feiticeiro - Vol II - O Rei (Primeiros Capítulos)
Fantasy***Publicação especial para os leitores do livro "O Feiticeiro - Vol I - O Estrangeiro" lançado em 2015. Quem desejar adquiri-lo pode entrar em contato com a autora para a cópia em papel. A versão e-book está disponível na Amazon. **** A capa é pro...