De volta à redação, Bira me recebeu com um sorriso escancarado pelo furo do dia. "Garota, seu vídeo é um sucesso. A audiência do site explodiu, porra!", comemorou com os braços estendidos como quem convida a um abraço. Congelei. Ali de pé, bem em frente a ele. Permaneci parada sem reação por alguns segundos. Até que, sufocada por um súbito aperto no peito, explodi. As lágrimas desceram com tanta intensidade que chegaram a me tirar o ar. Bira, ainda com os braços abertos, não conseguiu disfarçar a surpresa. Desfez o sorriso e me abraçou.
—Shissssh...Que isso menina. Calma. O que houve?
Para minha sorte ainda era hora de almoço. A redação estava vazia. Bira pediu que a secretária levasse um copo de água até a sala de reunião e me tirou dali antes que algum colega me visse naquela situação. Jornalista adora uma fofoca de bastidor. Bastaria alguém me ver aos prantos para que o prédio inteiro passasse a especular e criar versões fantasiosas sobre a repórter que entrou em crise.
Contei-lhe sobre o encontro com Linho, sobre o sequestro e sobre a operação marcada para a madrugada. Entre soluços, despejei sobre Bira toda minha angústia em relação à Jéssica. Nas poucas e curtas intervenções que fez, alternou palavras de conforto com incentivos para que eu me aprofundasse nos detalhes. Ele sempre foi um mestre na arte de ouvir. Aos poucos o choro entrecortado foi perdendo força até cessar por completo. Bira me ofereceu um segundo copo d'água e tentou me passar um pouco de serenidade com sua visão dos fatos.
— Clara, nós não fazíamos ideia de que a menina estava sequestrada. E mesmo que soubéssemos acho que teríamos publicado o vídeo da mesma forma. Quem fez isso sabe que agora a imprensa inteira acompanha o caso. Vão pensar dez vezes antes de piorar as coisas matando uma criança. Talvez, ao contrário do que você pensa, sua reportagem tenha sido a salvação dela.
Envergonhada, desculpei-me pelo descontrole e agradeci por sua paciência. Com a segurança de quem já salvara muitos repórteres do desespero, Bira aproveitou a brecha para me preparar para o que estava por vir. Disse que eu não devia ter subido o morro mais uma vez sem comunicar ao jornal. Mas, já que o fiz, aconselhou-me a defender minha decisão de cabeça erguida, como fizera no dia anterior. Finalizou ao melhor estilo Bira, pedindo que eu me recompusesse porque ele não queria sua repórter de polícia com cara de "cu" diante do diretor de redação.
Em uma rápida passada pelo banheiro, lavei o rosto e retoquei a maquiagem. Tomava um café com Tião na cantina da redação quando fomos convocados para uma reunião na sala da direção do jornal. Bira e Romero, meu editor, também estavam presentes. Expliquei-lhes que não poderíamos falar sobre o sequestro até que a polícia realizasse a operação da madrugada. Mostrei o video dos PMs seguindo Leninha na padaria e a gravação com Linho na varanda da casa no alto da Baiana. Fui duramente repreendida por ter entrado na favela para entrevistar o chefe do morro. Por fim, avisaram-me que, por segurança, depois daquela matéria seria afastada por uns tempos das coberturas policiais.
A decisão do jornal não me abalou. Não naquele momento. Eu sabia que corria o risco de sofrer alguma represália por desrespeitar as regras. Pelo menos me deixariam concluir a reportagem. E se Jéssica tinha uma chance de ser resgatada, eu tentava me convencer de que havia feito o que estava ao meu alcance para que isso se tornasse possível. Ficou decidido ainda que revelaríamos a ligação de Leninha com Linho na próxima matéria. A informação tornara-se essencial para que os leitores entendessem por que alguém sequestraria a filha da vítima.
Saí da reunião direto para a máquina de café no corredor do jornal. Culpa, medo, raiva. Precisava tomar um ar. Ainda tentava me reequilibrar, quando senti uma mão em meu ombro. Quase ao mesmo tempo uma voz grave sussurrou:
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PRIMEIRA PÁGINA - Conflito na Baiana
ActionEm uma trama acelerada, tensa e totalmente viciante, a denúncia de uma menina de 9 anos coloca a jovem repórter Clara Gabo diante de um crime brutal, que pode abalar as estruturas da Polícia Militar na cidade do Rio de Janeiro. Quando sua matéria g...