Capítulo 26 - Letargia

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– Não vai dormir?

– Você não devia estar aqui – resmungo, fitando uma folha cair devagar.

– Não vai dormir? – repete, como se não me escutasse.

Bufo diante da insistência de Navi.

– Não – confesso – Hoje não dá.

– Mas por que não? – agita-se a fada.

Montamos acampamento em uma seção da floresta a alguns quilômetros do labirinto que nos separa do Templo da Floresta, para minha infinita impaciência. Afastando folhas e mato seco, viro-me de um lado a outro debaixo de meu pano de dormir, em busca de uma posição confortável, de uma distração, ou os dois. Felizmente, uma conversa com Navi tomaria com facilidade uma noite inteira, então decido ceder.

– É complicado de explicar – suspiro, limpando os olhos como se pudesse fazê-los pararem de arder tanto – O Link não te contou que eu tenho uns problemas na cabeça? Ele adorava jogar esse tipo de coisa na minha cara quando estávamos em Kakariko.

– Mais ou menos. Ele acha que você é maluca e que vai virar aquela garota má um dia – ela suaviza o tom – Diz que é só uma questão de tempo até você se descontrolar.

Traço o contorno dos hematomas e cortes em meus braços e tento ignorar o frio em meu peito.

– Ele não tá mentindo – digo, reprimindo um soluço em minha voz – Essas... pessoas dentro da minha cabeça... elas são difíceis de controlar. Preciso tomar um remédio, entende? – mostro-lhe a garrafa vazia de Poção Vermelha – Mas, se eu tomar demais, coisas ruins acontecem.

A fada flutua para dentro de minha mochila, avaliando avidamente as garrafas.

– Que tipo de coisa?

Um suor frio escorre por minhas mãos enquanto falo. É a primeira vez que converso abertamente sobre isso com alguém que não seja Impa.

– Na melhor das hipóteses, fico maluca e viro aquela "garota má", como o Link disse – Observo meu reflexo difuso na superfície do vidro engordurado – Na pior delas, eu morro.

– O quê?

Escondo minhas mãos trêmulas no lençol velho para que Navi não as veja tremer.

– Pois é. Não posso dormir quando uso demais meu poder, aquele que você viu hoje cedo – sussurro – Não dá pra saber o que vai acontecer se eu tentar.

Ajeito a cabeça na mochila que me serve de travesseiro improvisado, ignorando a enxaqueca e esperando uma resposta.

– Navi – falo, por fim, cansada de esperar – Cê confia em mim?

Para minha surpresa, ela responde quase que de imediato:

– Não sei... Link diz algumas coisas com que eu não concordo – confessa – E eu quero confiar, entende? Mas você pode ser bem cruel às vezes.

Contraio as costas, defensiva.

– Já experimentou ter duas pessoas gritando na sua cabeça? – retruco.

Suas luzes murcham devagar.

– Link também não é fácil de lidar e ele já passou por muita coisa. Eu vi. Por isso que tô te dizendo isso. Não gosto quando vocês brigam – responde – E, como eu te disse, quero confiar em você.

A contragosto, abaixo a guarda. Não é todo dia, afinal, que alguém me oferece sua boa vontade com tanta facilidade, ainda mais aqui. Além disso, não é como se eu tivesse outra escolha.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora