Capítulo 1

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O rapaz acabara de completar 18 anos e era um dos alunos mais novos da sua sala de graduação. Um amante da natureza, Augustus decidira que biologia era o curso que mais combinava com ele. Seus pais acreditavam que ele deveria seguir os seus sonhos, e concordavam com a escolha do filho, já que acompanharam desde pequeno como ele gostava dos animais e das plantas. Mas não era só pelo interesse científico que o jovem escolhera ser um futuro biólogo, sua família sempre teve uma aptidão pelas leis naturais da vida.

Nascido em Florença, ou Firenze, como é conhecida pelos italianos, em 1993, a cidade é considerada um museu ao ar livre. Não teria lugar melhor para sua família nascer do que esse local que inspira e expira cultura. Mesmo tendo vontade de conhecer outras regiões do mundo, o garoto não trocaria a cidade em que mora por nada. Vivera ali até agora durante esses anos e também desejava morrer ali.

O brasão da família Cornacchini era bastante conhecido pela cidade, não sabendo ao certo quando foi sua origem, mas na árvore genealógica guardada pela família, o primeiro registro foi feito em 1725. Diferente da maioria das famílias italianas que contavam com um grande número de membros por gerações, um livro escrito pelo primeiro membro registrado e passado de geração em geração compartilhava algumas regras que deveriam ser seguidas pelos integrantes.

O grimório ou livro das sombras dos Cornacchinis, como é conhecido, trazia informações fundamentais para a sobrevivência e prosperidade da família, além de segredos guardados ao longo de séculos e que deveriam permanecer até a existência do último membro da família. "Carreguem este livro junto com suas vidas. Não importa quanto tempo passe desde que eu escrevi, obedeçam as minhas recomendações. Algumas coisas nem o tempo pode mudar...", dizia um trecho escrito por Agostino Cornacchini, um parente de Augustus que viveu em um século bem diferente dele.

O rapaz já estava se considerando adulto, porém mesmo com a idade, ele ainda aparentava um adolescente, não só fisicamente, quanto pela maturidade (ou falta dela). Augustus não era tão alto, mas também não se considerava baixo, tinha pele morena clara e cabelos cobreados. Para algumas coisas ele era tão disciplinado, como para a faculdade, já em outras, era como se as palavras nem sequer entrassem em seus ouvidos.

Augustus era um garoto solitário e buscava, na maior parte do tempo, a companhia de sua melhor amiga, Graziela. A menina era alta e tinha o corpo esguio, pele branca, cabelos pretos e olhos escuros como a noite, era amiga dele desde que os dois se conheceram no ensino infantil. Os dois estudaram a vida toda juntos e agora frequentavam a mesma universidade, porém em cursos diferentes, ela estudava psicologia. Graziela tinha esperança de um dia entender a diferença das pessoas e as suas incapacidades de aceitação. Lembrava-se sempre das provocações durante o ensino médio e da maneira que ela era tratada pelos colegas. Uma vez ela entrou no banheiro e viu duas garotas que estudaram juntas com ela durante mais de 5 anos. As duas meninas eram melhores amigas e sempre estavam juntas nos diferentes lugares do colégio. Enquanto a loira passava um batom na boca, a amiga ruiva retocava a maquiagem. Ambas conversavam até perceberem a presença de Graziela e ficarem mudas. Não bastava o silêncio estranho, as duas se sentiram tão desconfortáveis perto dela que saíram subitamente do banheiro. Tudo aquilo fazia parte do passado, mas sua cicatriz ainda coçava.

Parecia meio clichê a amizade entre um gay e uma lésbica, mas nos tempos do colégio os dois estavam lá um pelo outro. Foram tempos difíceis, mas Augustus e Graziela sobreviveram e na universidade não passavam por nada daquilo, pelo contrário, conseguiam se destacar pela dedicação e conhecimentos desenvolvidos durante os dois primeiros semestres dos seus respectivos cursos.

O rapaz nem acreditava que já estava na universidade e se sentia bastante feliz, mas algo ainda estava faltando. Augustus nunca tinha beijado um homem antes e geralmente, se apaixonava por heterossexuais e sempre se decepcionava quando tentava alguma coisa. Certa vez durante o ensino médio, o adolescente ficou observando os jogadores do time de futebol do colégio no vestiário. Augustus se esforçava para não ficar muito na cara o interesse por aqueles corpos masculinos, porém não conseguia se segurar, era mais forte do que ele.

− O que a bonequinha está olhando? – perguntou um dos jogadores dando um olhar nada amistoso para Augustus.

− Acho que ele está interessado em você – brincou o colega do time.

Augustus ficou vermelho e não sabia como reagir. Era verdade, ele estava interessado nele, mas sabia que não tinha nenhuma chance. O jogador passou por ele e os olhos do rapaz acompanharam cada movimento e também cada parte do corpo. Olhou para a nuca, depois para as costas largas e definidas, e a visão continuou descendo, enquanto imaginava as mãos dele percorrendo aqueles músculos. Petrus olhou para trás e percebeu que o garoto continuava encarando-o. O jogador ficou sem graça e, ao mesmo tempo, irritado. Hipnotizado pela beleza de Petrus, Augustus estava de boca aberta, literalmente, imaginando diferentes coisas na sua cabeça. O jovem franzino encarou o rapaz de os olhos pretos, sobrancelhas grossas, nariz reto e lábios carnudos. A pele morena, os cabelos curtos e o corpo desenvolvido davam a impressão de que Petrus era mais velho do que os outros colegas do colégio.

Petrus não pensou duas vezes e deu um soco na boca de Augustus. O jogador não gostava da maneira que o rapaz ficava olhando para ele e muito menos de de seus colegas fazendo brincadeiras a respeito. Augustus colocou as mãos na boca e quase chorou, mas não queria demonstrar sua fraqueza. O sangue escorreu e ele ficou segurando um papel contra o nariz, tentando controlar o sangramento. O jogador não demonstrou nenhum sinal de remorso, nem mesmo ficou preocupado com Augustus, abriu um sorriso no rosto e saiu do vestiário. Augustus sentiu-se humilhado e ouvia os outros jogadores se divertindo com a cena.

Naquela manhã, o menino saiu do banheiro e encontrou com Graziela no intervalo.

− O que aconteceu? Você está bem? – perguntou Graziela, preocupada com o melhor amigo.

− Nada demais... – respondeu Augustus, segurando as lágrimas. Sabia que quando elas viessem o rapaz dificilmente conseguiria parar de chorar.

− Como não foi nada... Você está sangrando!

− Coisas desses garotos. Só por que eu estava olhando para um deles, ele não gostou e ficou bravo. − soltou as palavras com dor e raiva.

− Você tem que ser mais discreto. Sabe como eles são. Aliás, não sei o que você vê nesses garotos do time de futebol, eles são todos bonitinhos, mas são vazios por dentro.

− Na teoria, eu sei, mas na prática é outra história. Quando vejo Petrus, apesar de ele ser incrivelmente lindo e gostoso, desejo ele também por outras qualidades.

Graziela estava irritada. Não era a primeira vez que o melhor amigo se machucara no colégio. Augustus tinha o costume de se apaixonar por garotos heterossexuais e se esquecia de como eles se sentiam incomodados com os olhares. O que ele não conseguia enxergar, a imaginação fazia todo o trabalho. Às vezes, o rapaz fantasiava tanto suas paixonites do colégio, a ponto de esquecer da realidade.

Augustus já tinha 18 anos e nunca namorara outros garotos na vida – beijaram algumas garotas quando era mais novo, mas era algo próximo do que ele sentia quando pensava em Petrus. Para Augustus, tudo se tratava de sentimentos. Quando se tratava de garotos, a cabeça dele vivia cheia de sonhos e desejos. Ele queria mais do que alguém para beijar. O rapaz sonhava em encontrar um parceiro para a vida, alguém que gostasse dele e ele também gostasse, e o melhor de tudo, que estivesse com ele em diferentes momentos da sua vida.  

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