Dúvidas

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(Camila)

Cabeça erguida, coluna ereta, região central firme, queixo levantado e a confiança sendo exalada pelos meus poros. Direita, esquerda, lento, lento, rápido, rápido, lento. Fechei os olhos ao girar com o pé esquerdo levantando, pousando com graciosidade no piso de madeira do meu quarto. Indo para a direita com meu pé direito, junto os meus pés em um movimento rápido.

Movi meu corpo outra vez seguindo os mesmos passos ensaiados daquele dia, precisava executá-los com perfeição se quisesse ingressar em alguma faculdade de artes, principalmente Juilliard. Os móveis do meu quarto estavam contra a parede, o som ligado no último volume já não incomodava mais os meus pais que, finalmente, haviam se acostumado os meus ensaios exaustivos durante a semana, depois da escola.

Segurando em meu parceiro invisível, retomei os passos criando um gancho com minha perna direita, exposta pela fenda do vestido vermelho que eu usava para incorporar a personagem, no ar. Fechei os olhos outra vez, inclinei minha cabeça para esquerda, e retomei minha posição. Executando em seguida o passo de voleio, segui meu parceiro invisível em um meio retângulo, parando sobre minha perna direita.

Eu estava ficando boa naquilo. Os treinos das cheerios já não eram o suficiente para o meu desenvolvimento na dança, e agora tendo que conciliar escola, treinos, aulas extras de química e meus treinos de tango, meus dias tornaram-se ainda mais exaustivos. Dominic não reclamava, mas eu sabia que ele sentia minha falta, principalmente agora que eu estava proibida de visita-lo nos finais de semana, mas nas poucas horas que conseguia para vê-lo, nos satisfazíamos na cama como dois coelhos insaciáveis. E, por mais que eu odiasse admitir, meu namorado já não era mais o suficiente para mim nos últimos dias. Era como se eu ansiasse por mais, por algo que nunca tive antes, um desejo que eu sabia que Dominic não era capaz de saciar.

Girei meu corpo com um pouco mais de violência quando a imagem de Lauren me prensando contra o armário insistiu em me atormentar. Eu não queria ceder ao desejo íntimo de tê-la sobre o meu corpo, satisfazendo minha libido, me pegando daquela forma rude que Dominic insistia em manter longe de mim. Se ele me desse o que eu ansiava, talvez eu não estaria desejando Lauren,

Com o corpo suado, os cabelos colando pelo meu pescoço e a respiração desenfreada, decidi que minhas duas horas de treino eram o suficiente para aquele dia. Desliguei o som desfrutando do silêncio da minha cabeça em plena quinta-feira, não era algo muito comum, mas um evento a ser apreciado.

Tomei um longo banho quente livrando-me de todas as impurezas da escola, e do suor que o tango me proporcionara. Eu estava exausta, ainda mais depois de enfrentar algumas horas de tortura na casa de Lauren com toda a sua arrogância e o desconforto em nosso silêncio quando minha mente viajava para o dia do maldito beijo. Não me interpretem mal, eu já havia admitido para mim mesma que desejava Lauren Jauregui, não seria uma tarefa difícil esconder isso; todos têm seus segredos.

2006.

— O que nós estamos fazendo aqui, exatamente? – perguntei com as sobrancelhas erguidas.

Lauren havia me arrastado até o parque onde nos conhecemos quando pequenas. Ela estava agindo de maneira muito estranha nos últimos dias; andava nervosa, gaguejando, e evitava ao máximo estar sozinha comigo por muito tempo. Naquele dia em especifico, nós pegamos nossas bicicletas e, ao invés de um passeio de tarde como costumávamos fazer, Lauren me guiou até o parque movimentado por famílias.

— Eu preciso te contar uma coisa, só espere um segundo. — ela pediu, olhando para as crianças que brincavam no playground enquanto nos balançávamos levemente no balanço.

Eu estava começando a ficar preocupada com Lauren, seu cenho franzido e suas mãos trêmulas na corrente denunciavam o quão assustada ela estava para me contar o que fosse, e para ser sincera, eu também estava.

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