swan || z.m.

0.9

Conseguia sentir o cheiro forte da cozinha, completamente característico e incaracterizável.

Tinha planeado sair da casa do Louis cedo, para ter tempo para me preparar para as duas aulas que tinha marcadas hoje, mas precisava de comer.

Um barulho vindo da porta assustou-me ligeiramente e os meus dedos perderam o controle sobre a maçã que seguravam, momentaneamente.

"Desculpa, Violet." A Johanna lamentou.

Sorri. Para dizer a verdade, estava a tentar sair indetetada antes de ela acordar. O Louis sabia lidar com a Johanna e eu não. Ao menos, não tão bem. E não queria ter de ser eu a contar-lhe sobre ontem, de maneira nenhuma.

"Tenho de ir para casa daqui a pouco."

"Eu já desconfiava." Ela disse, preparando torradas. Ela tinha de olhar para cima ligeiramente para mim, uma vez que eu estava sentada no balcão de mármore escura que rodeava a divisão.

A Johanna encarou-me, pedra e aço na sua expressão e um redemoinho de ideias atrás dos seus olhos, o mar calmo refletido neles era traiçoeiro e o azul claro escondia as profundezas que se passava atrás das ondas. Ela queria dizer alguma coisa e até a mim me estava a custar que ela se estivesse a conter. Ela não disse o que queria dizer; perguntou-me se eu só comeria aquela maçã. Acenei que sim e desviei o olhar, que certamente já lhe teria transmitido demais, e o assunto. "Sabes, tenho adorado estar aqui, na vossa casa. Já me tinha esquecido como era viver,"

As torradas foram lançadas para cima, o barulho irritante a impedir a minha divagação, porém, especialmente, a arrancar o nó que o olhar da Jay tinha laçado ao redor da minha garganta.

"Detesto quando falas assim da casa."

"O quê?" Os meus olhos elevaram-se até à figura da Johanna, abertos pela minha desorientaçaõ ao ouvir um tom tão magoado.

"Vossa. Como se também não tivesses crescido aqui, não sei... Não gosto disso." Ela disse, barrando as torradas com compota, o seu olhar focado na tarefa.

"Eu não faço por mal." Era verdade, mas, se pensasse bem, conseguiria ter previsto antes as consequências do que tinha dito. "Desculpa."

Apesar de ter saído apenas num sussurro, as minhas desculpas alegraram a cara da Jay. "E então, alguma novidade?"

A pergunta puxou da minha a memória do sem-número de decisões loucas e estúpidas que tinha em plena consciência tomado nas últimas semanas, uma vez que elas se classificavam como novidades, além de assuntos urgentes e, parcialmente, crimes. 

"Nada de especial, mas estou a gostar de trabalhar no centro recreativo, sabes? Conhecer pessoas novas, trabalham com as miúdas... Tem sido, " Aterrador? Libertador? Cansativo? Divertido? "Bom."

Ela concordou com um gesto de cabeça e as suas feições transpareceram qualquer coisa como orgulho, que julgava que ela já não tinha capacidade de sentir, não relativamente a mim. "Sempre soube que gostarias."

"Claro, tenho o ballet e tenho liberdade para fazer o que me apetece." Eu sorri. A Johannah estava atenta a mim, mais do que o normal, pelo menos. Os seus olhos perscrutariam cada movimento que eu fizesse, portanto não mexi um músculo. É, definitivamente, muito difícil fingir um ar descontraído quando parecemos calcificados.

"Quase tudo." A Jay corrigiu e, antes que a conversa tomasse um rumo de moral de vida, queixei-me que tinha de ir embora.

"Diz 'Olá' ao Louis por mim." Pedi enquanto atirava a carcaça da minha maçã para o lixo.

A Jay acenou e eu saí, apenas passando pela sala para trazer a minha mochila.

O resto do dia correu o seu curso normal, e acabei por tratar dos recados que tinha de fazer antes do almoço e da aula que tinha de manhã. Dei um empurrão a qualquer preocupação que me enevoasse o pensamento e fixei-me no meu trabalho, afinal, era nisso que a minha atenção devia estar. Pela primeira vez em tanto, tanto tempo senti-me realizada, de certo modo. Satisfeita. Era eu e a dança e apenas isso. Não sentia medo ou reticência.