Capítulo 10

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Manu queria poupar os amigos de futuros sofrimentos. Quando Petrus ligou para ele dizendo que precisavam conversar, não pensou duas vezes e aceitou o convite. Marcaram de se encontrar na Lectioni, uma velha livraria da cidade. Por fora o lugar parecia cair aos pedaços, mas continuava chamando a atenção do jovem pelo volume de livros que se encontrava ali dentro.

O velho dono da livraria e sua esposa eram os únicos funcionários do lugar. A cidade inteira os conhecia e ninguém se atrevia a tentar roubá-los – não quando sabiam que o lugar só não havia fechado por teimosia e paixão dos dois, já que muitos moradores da cidade acabavam comprando livros pela internet. Manu chegara e enquanto Petrus não estava ali, ele aproveitou o tempo para procurar obras sobre vampirismo, mas o máximo que ele encontrou foi um capítulo ou outro ou uma breve menção sobre as criaturas. Seus olhos e mãos planavam pelas páginas e os velhinhos sorriam de satisfação. Manu sentiu o rosto queimando e sabia que precisava levar algum livro. Não achava justo alimentar as esperanças deles. O casal organizava os livros com a leveza e lentidão de folhas se soltando dos galhos.

"Vampiros têm a noite e o sangue como suas obsessões. Assim como dentro do universo dos bruxos existem várias linhagens, esses parasitas também se dividem em grupos com diferentes ritos e tradições".

– Minha criança, você veio! – Calafrios se desenrolaram em ondas dentro de Manu. Aquelas palavras. – Desculpe, não sei porque falei assim. Talvez tenha pegado o costume... – Os olhos de Manu focaram o homem, até que a imagem de Petrus se revelara.

– Tudo bem. Você veio e é o que importa. Eu sou péssimo mentiroso. E dei sorte que ninguém me ligou ou mandou mensagem ainda. Meus pais acham que vim comprar livros. "Mais livros? Você já tem tantos", resmungaram. Estou falando demais. Me desculpe. Só estou ansioso.

– Então, você não contou aos outros?

– Promessa é promessa.

– Vamos ao que interessa.

Petrus puxou uma cadeira para ele e Manu fez o mesmo. Os dois se encostaram próximo a uma velha mesa de madeira. O homem segurou a mochila e tirou um livro grosso. A obra tinha uma capa marrom e a figura dourada de um lobo junto com uma lua prateada.

– Deixa eu adivinhar, este é o seu livro das sombras – disse Manu.

– Não é assim que chamamos, mas o propósito é parecido.

Quando Petrus folheou o livro, Manu percebeu que haviam várias ilustrações de plantas, animais e ciclos da natureza e que o tamanho era pelo menos três vezes maior que o livro de Hortênsia.

– Não fique tão impressionado – disse Petrus, como se o rosto de Manu fosse fácil de ler como um livro para crianças que começaram a aprender a ler recentemente. – Existem livros sobre magia de todos os tamanhos. O que diferencia é o seu conteúdo e a intenção por trás dele. Alguns livros nas mãos erradas podem provocar estragos de dimensões desconhecidas. Assim como obras sobre o poder da natureza podem fazer bem para muitas pessoas. Este livro esteve na minha geração durante décadas e agora eu quero que você o use com sabedoria.

Os olhos de Manu se encheram de luz e Petrus podia ver a interrogação se formando no rosto do outro, desde a boca meio aberta em surpresa até a testa franzida.

– Tantas coisas para dizer, tão pouco tempo. Não é esse um dos maiores desafios da humanidade? Eu gostaria de dizer que estarei aqui e ajudarei você e os seus amigos, mas não posso. Sylvanus não me perdoaria se eu não fizesse a minha parte. O mal que chegou a São Cipriano quer algo que só vocês têm e apesar de nós, druidas, termos feito voto de proteção aos seres da natureza, essas coisas querem uma poderosa e antiga fonte de magia negra – Petrus viu o rosto de Manu se transformando conforme ele absorvia as informações. – Eu só estou fazendo isso, pois vejo um grande potencial em você. Você foi tocado pelo mal, mas o seu coração permaneceu bom. Dá para notar em sua aura.

– Para onde você vai?

– Há coisas que eu preciso entender sozinho. Nossos caminhos se cruzarão nesta ou na outra vida – Manu sentiu um sopro gelado dentro de si, como se Petrus estivesse prevendo que algo ruim aconteceria a um dos dois. – Não se esqueça que mesmo quando o mundo parece mergulhado na escuridão, às vezes o que basta é uma vela para lembrar que ainda existe amor e luz. Que o seu coração te guie, Manu, e o ajude a livrar você e os seus amigos do mal. Seja forte. Um dia você vai olhar para trás e entender.

Petrus entregara o livro a Manu e desapareceu, antes que o garoto pudesse dar forma às inúmeras perguntas que germinavam em sua cabeça. Depois de ter colocado a vida do círculo em perigo deixando Anna se infiltrar entre eles, uma parte de Manu se recusava a acreditar que ele era bom suficiente para que Petrus confiasse nele. Talvez ele devesse ter entregado à namorada. Jess parecia tão resistente, mesmo com tudo ao seu redor desmoronando. Ou Leo e Babi que só precisavam de um empurrão na direção certa.

Ele colocou o livro dentro da bolsa e se sentiu aliviado dos velhinhos não estarem observando. A última coisa que ele precisava no momento era ter que explicar de quem era aquele livro e que não estava roubando nada dali. Então, Manu circulou pela loja e encontrou um exemplar de A Noite das Bruxas, da Agatha Christie. Estava com tantas leituras atrasadas, que mais uma não faria tanta diferença.

Manu pagou pelo livro e saiu da Lectioni. Os donos ficaram olhando um para o outro, aguardando o próximo cliente chegar.

Ele andava pela rua, quando viu uma sombra passando por ele com tanta velocidade, que Manu quase perdeu o equilíbrio. Não teve tempo de reconhecer a imagem. Manu deu de ombros e continuou andando. Aquela sensação de que estava sendo observado continuava. Seria possível que alguém soubesse do meu encontro com Petrus? Ele preferia acreditar que não, mas também não via a hora de voltar para casa e estudar melhor aquele livro.

Pensou em ligar para um táxi, mas o dinheiro depois lhe faria falta. Sabia que os pais lutavam com as contas todos os meses e ainda não tinha ideia de como seriam as coisas dali em diante.

Enquanto caminhava, Manu imaginava o escudo de energia o protegendo. Sabia que as criaturas que atacaram Sylvanus eram mais poderosas do que eles pensavam. Tinha que tomar todo o cuidado possível. Não tinha a intenção de manter em segredo o livro para sempre, mas antes gostaria de encontrar respostas.

A figura na bicicleta passou por Manu mais uma vez. Ele apertou os olhos, quando viu uma garota e podia jurar que era Jess. A jovem ficou o observando na esquina, como se estivesse esperando que ele a alcançasse. O que a Jess está fazendo aqui?

– Jess? – gritou Manu e acenou para ela.

A menina abriu um sorriso para ele. Manu esfregou os olhos e o celular dele tocou no mesmo instante. Era Jess ligando para ele. Quando ele atendeu, a figura da garota desapareceu.

– Manu, onde você está? Estava pensando em marcar uma reunião hoje à noite lá em casa. Aconteceram tantas coisas nos últimos dias. Acredito que seria bom se todos nós conversássemos.

– Eu... Eu estava na livraria e agora estou indo para casa. E você?

– Estou na Céu de Estrelas. Força do hábito... – Jess fez uma pausa para respirar e Manu aproveitou para olhar para os lados. Estava sendo seguido ou imaginando coisas? – Eu fico andando por aqui, como se a qualquer momento fosse encontrar alguma mensagem deixada pelo Sylvanus. É provável que a loja feche de vez.

– Nos vemos à noite, então? – Manu odiava interromper a namorada, mas não se sentia seguro ali. – Eu te amo.

– Eu também te amo. Você parece distante hoje. Eu sei que as coisas não estão boas no momento... Se você precisar de alguém para conversar, estou aqui.

– É só impressão sua. Preciso ir.

Manu desligou a ligação com um aperto no peito. Você foi tocado pelo mal, mas o seu coração permaneceu bom... Seja forte. Um dia você vai olhar para trás e entender. As palavras de Petrus espiralavam em sua mente. Começou a correr e correr, até que seu corpo ficasse tão cansado e tudo o que ele conseguisse fazer era observar por onde pisava e se focar no som do ar entrando e saindo pelo nariz. Era como se ele estivesse meditando em movimento, à procura de alguns instantes de paz dentro do furacão de problemas que tentava engoli-lo. Ali dentro dele, havia um lugar seguro, como a terra, em que pudesse pisar sem temer os desmoronamentos e as energias negativas. 

O Livro - Os Bruxos de São Cipriano Livro 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora