– Dá partida no seu carro. Eu te explico no caminho.

A moça concordou e manobrou para sair. Halle deitou-se no banco e torceu para não ser visto. Masha dirigiu tensa por todo o percurso e só ficou aliviada quando entrou com o carro na garagem de sua casa.

A febre de Halle piorava e ele não conseguia andar sozinho. Masha ajudou-o a entrar. A garagem dava passagem para a cozinha.

Eles estava fraco mas conseguiu falar – Finalmente estou conhecendo sua casa. E, o melhor, abraçadinhos.

– Outra gracinha dessas e eu te largo no chão, Bremmen.

Halle sentou-se numa cadeira de madeira pintada de vermelho e, com a ajuda da moça, tirou a camisa. O braço estava muito feio, sangrando e, no local da mordida, havia um inchaço cheio de pus.

– Acho que depois de me ver assim, nossas chances foram para zero. – ele debruçou-se sobre a mesa, exausto.

– Sempre foram zero, Bremmen. E, pelo visto, parece que as suas também. A menos que te leve a um hospital.

– Não! Se fizer isso é que estarei zerado de vez. – fez um esforço para virar a cabeça de lado.

– Bem, então o que sugere? – ela andava de um lado para o outro.

– Não conhece alguém que possa vir aqui? Alguém que possa ajudar?

– Talvez. Minha prima trabalha no HCV.

– Ela é médica?

– Não, auxiliar de enfermagem.

– É bonita como você? – deu um sorrisinho débil.

– Corta, Bremmen. Vou ligar para ela.

– Espera. Me coloca num chuveiro quente. Estou com muito frio.

– É... – avaliou o estado de imundice dele – Um banho não vai te fazer mal. – puxou-o pelo braço levando-o até o banheiro.

O banho foi revigorante, mas a febre ainda estava forte. Halle estava começando a ficar fora de si.

– Masha! Uma toalha, por favor.

Quando a moça entrou no pequeno banheiro, viu Halle despido e corou. Virou o rosto e entregou a toalha. Halle se enxugou e saiu do banheiro, com dificuldade, enrolado na toalha.

Masha trouxe-lhe roupas de homem.

– De quem são? Do seu namorado?

– Não, foram do meu pai.

Halle vestiu-se, as roupas ligeiramente apertadas, e despencou no sofá.

Masha ofereceu chá e biscoitos. Halle consumiu rapidamente, sentindo-se bem por ter alguém cuidando dele.

– Sabe, Masha, preciso te falar uma coisa.

– O que é?

– Se eu morrer... Preciso falar isso... Você é a mulher mais linda que já vi. Se você me quisesse, eu ia ser o cara mais feliz do mundo.

– Halle Bremmen! Você está delirando, isto sim!

Halle sorriu e adormeceu. Enquanto esperava por sua prima, Masha não resistiu e foi ver o que havia dentro da sacola de Bremmen.

Havia supersoro, um creme, uma pistola, uma garrafa estranha que parecia ser o receptáculo de um genista, um livro sobre Vorn-Nascas e um caderninho de anotações.

As anotações pareciam estar numa espécie de código. Masha não pôde compreender nada e ficou curiosa.

Um pouco mais tarde, a prima de Masha, Fiodora, chegou. Também era muito bonita e trouxe consigo uma maleta com medicamentos. Tinha cabelos negros como os da prima, mas o corte era curto. Não era gorda, mas tinha muito mais busto e quadril que sua prima.

– Aí está o salafrário, cuidado, ele é um mulherengo incorrigível.

– Pelo que você havia falado, achei que ele seria mais bonito.

– Este não é o rosto dele. Está usando um disfarce.

– Ah, sim. Vejamos...

Fiodora mediu a febre e exclamou – Está altíssima e esse ferimento no braço está infeccionado!

Abriu sua maleta e aplicou uma injeção em Halle. – Isso vai cuidar da febre. Preciso de uma bacia de água quente.

Fiodora levantou-se e acompanhou a prima até a cozinha. Masha colocou água para esquentar no fogão. Enquanto esperavam, Fiodora começou – Masha, querida, onde está com a cabeça? Acolher um criminoso procurado é crime! – estava tensa.

– Sei disso, prima, mas o que eu deveria ter feito? Entregá-lo à polícia? Além do mais, não acredito que ele seja culpado.

– As pessoas mentem, você sabe...

– Mas também falam a verdade, não é mesmo?

– Umas poucas.

– Nossa, Fiodora, você é tão pessimista!

– E você vive numa bolha! Isolada dos problemas do mundo naquele seu laboratório.

Masha calou-se esperando a água esquentar.

– Olha, prima, – Fiodora recuperou a calma – só estou lhe avisando para tomar cuidado. Se fosse você, colocaria ele para fora na primeira oportunidade.

– Farei isto, prima. Vamos lá...


***

Uma hora depois, Halle despertou.

– Ilya... – murmurou.

Masha aproximou-se – Como se sente, Bremmen?

– Melhor, eu acho.

– A febre abaixou, comentou Fiodora.

– Esta é minha prima, Fiodora.

– Ah, olá, muito prazer. Obrigado por cuidar de mim. – disse deitado, pois ainda não tinha forças para sentar-se.

– Masha, preciso de um favor. Temos que avisar Ilya de que estou bem e que irei ao seu encontro assim que possível.

– Certo. Onde ele está?

– Numa pousada na região do porto. Você tem um papel? Deve procurar por Ilyodorv Priech. – Halle deixou o endereço.

– É melhor avisá-lo amanhã. Hoje está muito tarde. Além do mais, aquela não é uma boa vizinhança.

– Certo. Agora que está um pouco melhor, que tal uma explicação para tudo isso? – Masha mostrou os objetos de Halle, colocando-os sobre a mesa de centro.

Halle esforçou-se para sentar. Notou que seu braço tinha um curativo grande, todo enrolado por ataduras. Doía um bocado.

– Vamos lá então. Tudo começou com a história dos óculos...

Os Óculos Indesejados de Ilya GregorvichWhere stories live. Discover now