Despojos de tempestade

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Pouco a pouco, os destroços do naufrágio aproximam-se: a tempestade fora longa e pouco restara. Apenas uns cascos velhos e alguns destroços sobreviveram à fúria da intempérie. Nesses destroços, aproxima-se a guerreira. Fora a única sobrevivente.

Um fio de consciência permite que ela assista ao seu regresso. O corpo cheio de feridas, os pulmões inundados de água... Contudo, a guerreira respirava!

  Dada à costa, levantou-se, cambaleante. Finalmente, conseguiu deitar fora a água dos pulmões. 

"O pior não foi o corpo." consolou-se a si mesma, enquanto limpava as feridas "Foi a cabeça."

Jamais poderia apagar as memórias cruéis  dum mundo mesquinho e pouco inteligente; de tortura e contra a criatividade. Foi com a cabeça que a guerreira sofreu, aprendeu, cresceu e enfrentou a loucura. A pior marca desta tempestade foi, desta vez, na cabeça.

Apesar de tudo, a guerreira agradece por o Senhor a ter guiado naquele caminho sinuoso, por ter sobrevivido à brutal crueldade do Homem, por tê-la feito reviver quando já estava morta. O caminho fora doloroso, sem dúvida, mas o Senhor continuava lá.

Levantou-se e começou a explorar a ilha: o sol brilhava e a vegetação pulsava de vida. Cada pormenor da ilha despertava-lhe os sentidos: o chilrear das aves, o odor das flores, o aroma da fruta...O máximo esplendor da natureza revelava-se perante si!

Abrigou-se à sombra duma árvore no cimo da ilha quando um sussurro lhe disse:

"Descansa aqui!"

E a guerreira sentou-se, observando do alto os destroços no mar encrespado. Observava os despojos da tempestade: o fim dum ciclo e o começo doutro. Pousou a espada, já quebrada, enquanto fechava os olhos.

E foi ali, quase a adormecer, no espaço que existe entre o fim e o começo doutra Era, que a guerreira pensou:

"O meu lugar é aqui, a descansar..."

"Por agora, não para sempre!" murmurou o Senhor ao ouvido, pensando já nas viagens futuras.

A TempestadeWhere stories live. Discover now