5 - 2 x 100

10 2 2
                                    

O cara é desses de beber até dar pane.

Preciso dizer que a coisa degringolou depois dele escapar fedendo da morte? O Duranz ficou um ano e meio com um buraco no pescoço devido à traqueotomia que fizeram no hospital.

Antes de falar, cuspir ou beber qualquer coisa, ele tinha que tapar com o dedo um buraquinho no pescoço de onde saia uma pequena cânula de PVC.

Numa dessas ele tava no Mormaço, um bar/palafita da Cidade Velha que vivia sendo fechado pela polícia por motivos de "baderna, poluição sonora e comércio de substâncias ilícitas". 2002, aquele era o point dos alternativos de Belém.

A cena underground era algo relativamente recente no centro. Nos anos 70 e 80 se restringia a garagens na Marambaia ou Icoaraci, ambientes que o Duranz detestava; dos anos 90 pra cá os roqueiros e alternativos ocuparam seus espaços na Cidade Velha, e então não sei por que cargas d'água ele resolveu aderir ao "movimento". Trauma, será que a partir do acidente tudo se transforma em consequência do trauma?

Acho que não era pelo rock ou pelo reggae – coisas que nunca demos muita bola – e nem pelo trauma, era somente porque era na Cidade Velha. A paisagem, as mulheres, o túnel, ou seja lá o que for. Foram anos de apodrecimento físico. Depois da cirurgia para tapar o buraco da traqueotomia, a coisa piorou ainda mais, entramos numa era em que tudo era dedicado à devassidão.

Nesse tempo, como se diz, pra danificar mais o HD, Duranz dava um trago de cachaça enquanto administrava o calor com um Cerpão 600ml que levava a tiracolo e não dividia com ninguém.

Já era praticamente um vovô em 2002. Era ridículo vê-lo naquele estado, vagando na noite como se tivesse perdido no meio de um deserto. Ainda assim, essa noite ele estava especialmente bonito, sendo perseguido por bêbadas perdidas do mesmo quilate.

Uma delas seestranhou com a outra e deu aquela confusão de galinheiro. Duranz, que àquelaaltura não tinha mais nada a ver com a briga, foi intervir e levou um safanão de uma das moças, a maior, que media aproximadamente 2 metros x 100 quilos.

Por uma desgraça do destino, o Duranz, ao invés de cair no chão, bateu com as costas numa coluna do bar e despencou o traseiro num engradado de cerveja. Rasgou o traseiro na hora, mas a princípio nem percebeu. Eu o ergui e notei que as garrafas haviam sido quebradas com o impacto da queda. Vi uma pequena mancha de sangue na área do glúteo se espalhando pelas calças.

Cinco minutos depois a mancha estava maior.

Dez minutos depois Duranz estava pálido.

Quinze minutos depois estávamos no inferno – que dentre as suas várias manifestações assume a forma do Pronto-Socorro do Guamá. 3 da madrugada.

4h00, PS do Guamá. O inferno destilava cheiro de putrefação com formol. Um malandro esfaqueado foi embora correndo com medo de ser fichado. Uma adolescente paria um capeta no corredor. Um cara mais enfaixado que uma múmia jazia semi-morto na sala de horrores/espera. O Duranz estava tão pálido que as moscas já esperavam o sinal pra avançar sobre ele. Uma enfermeira trouxe bandagem para tentar estancar o sangramento.

- Caralho Duranz, se rasgou algum nervo tu tá fodido. O caso dele é de urgência, minha senhora, vamo apressar isso daí!

A senhora que deu a bandagem fez que não ouviu. João fechou os olhos e pendeu a cabeça para o lado.

- Porra nenhuma...

De repente, o cara enfaixado que nem múmia pareceu se surpreender com alguma coisa; acordou, lentamente virou a cabeça na nossa direção e nos encarou, mandando uma língua pro Duranz.

- Conheço essa língua! - observou Duranz.

- Cala a boca aí rapá, fica quieto. - repreendi.

- Arquimedes?

- Tá delirando?

Duranz me olhou com desprezo e se voltou outra vez pra múmia.

- Vai continuar calado, homem?

Uma enfermeira gorda entreabriu a porta do corredor que levava à ala médica: "Senhor João Luiz Duranz!" – e lá entrou o Duranz.

Meia hora depois ele voltou com o traseiro costurado.

- Ei Duranz, tu conhece a piada da velha com o papagaio? - perguntou a múmia.

- É tu, Arquimedes?

- Duranz, tu é um filho de uma puta, Duranz... Eu vou acabar contigo...

- Tu é doido, rapá, eu nunca te fiz nada!

- Te controla, te acalma... O que é teu tá guardado.

,"poitz   

Sheila Use & AbuseOnde as histórias ganham vida. Descobre agora