Primeiro Ato: O retorno

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Let the Skyfall/

When it crumbles

We will stand, tall/

Face it all together/

At Skyfall

– Skyfall, Adele




1896...

A noite caiu na cidade. Um homem apoiava-se na janela como que esperando alguma coisa. Ou talvez nada quisesse. Uma moça escrevendo na mesa distante alguns metros perguntou-lhe:

- Alguma coisa o incomoda?

- Nada não, guria. Tô só no meu fumo aqui – respondeu o homem olhando-a de soslaio: - E o que tu estás fazendo?

- Escrevendo uma carta. Tu sabes, pra minha família em Santa Catarina – respondeu ela sorrindo.

- Ah, a dona Luísa e o seu Nicolau, além do teu irmão João – riu ele.

- Como de costume, tu aportuguesas os nomes deles. É bem a tua cara isso, tchê – a jovem gargalhou.

- É bom que tu te acostumes com o linguajar daqui, pois vai Deus saber o quanto tu vais aturar este louco que sou eu – sorriu o homem.

Os dois riram ao mesmo tempo. O riso parou, porém, quando uma coruja piou alto. Ela não exatamente era supersticiosa, mas ele sempre dizia que aquele som era sinal de mau agouro. Dos bem grandes. Inclusive o repentino afastamento dele da janela assustou-a. Nada disse, porém.

- Eu sinto que esta noite vai ser daquelas. Vou até deitar cedo pra não ter azar – disse ele mais para si mesmo do que para sua hóspede, continuando a escrever.

A jovem não acreditava que um som daqueles causasse isso. Sinceramente, não entendia seu anfitrião. Que hábitos tão peculiares ele tinha. Bem que sua mãe dizia deles terem um jeito bem estranho de lidar com as coisas.

No fim, ele até sairia sortudo da passagem das horas, mas as coisas em outras paragens nunca eram simples.

...

Maldita a hora em que ele tinha sido o escolhido para fazer a ronda na lomba do cemitério naquela noite! De todos os lugares em que poderia estar, tinha de estar logo no meio daquele nada cheio de gente morta. O problema era que a ladroagem podia não escolher hora ou local para agir ou algum casal proibido talvez inventasse de namorar naquelas bandas. Isso sem contar que alguns criminosos podiam achar o Cemitério da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia o esconderijo ideal. E por consequência, alguém tinha de rondar aqueles lados. Ele e os colegas se alternavam naquele caso porque não era comum acontecer algo estranho ali, mas, prevenção nunca era demais.

O jovem guarda, no entanto, bem que queria estar na zona do meretrício. Cercado de mulheres bonitas, boa comida e bebida melhor ainda. Todavia, seu trabalho nem sempre era agradável. Suspirou com algum cansaço, pois só Deus sabia como iria passar as próximas horas embora tivesse um livro no bolso da farda. Sozinho e sem ter com quem conversar, além de um vento que parecia pronto a levar tudo o que vinha pela frente. E claro, a terra da estrada de chão batido deixando sua roupa toda suja.

Subiu a longa ladeira disposto a terminar aquilo o mais rápido que conseguisse. Afinal, ninguém precisava saber se ele fosse embora cedo, pois não haveria como provar se o rapaz deixasse a ronda antes de acabá-la. Algo na subida, porém, chamou-lhe atenção: um nevoeiro branco e espesso tomava conta da área na altura mais acima do longo muro.

Os Quatro Atos da Pós VidaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora