Parte 3

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Dom Guilherme nunca havia precisado se esforçar para conseguir admiração. Durante toda sua vida, fosse pela posição que ocupava, fosse pelo charme natural que carregava ou pelos modos corteses, ele sempre havia se destacado. Todos, desde homens a mulheres, rendiam-se a seus encantos, sem que ele precisasse medir esforços. Desse modo, para ele era difícil imaginar o que poderia agradar Victória, porque não tinha certeza de como fazê-lo.

No dia seguinte, quando retornou de suas obrigações, pois a prudência que Dom Guilherme carregava consigo não o permitia negligenciar totalmente a tarefa de administrar ele mesmo sua propriedade, aproveitou para colher algumas rosas que encontrara pelo caminho.

Dom Guilherme achou Victória repousando numa das salas, com um volume em mãos. Ela parecia bastante absorta em sua leitura, pois não fez nenhum movimento quando ele entrou. O esposo limpou a garganta ruidosamente como uma tentativa sutil de fazer com que ela o fitasse, ato que se mostrou bastante eficiente, dado que logo Victória ergueu seus olhos azuis para ele.

- Eu trouxe para a senhora.

Ele diminuiu a distância entre eles e entregou-lhe o ramo, a qual ela aceitou um tanto vexada.

- Obrigada - agradeceu com um sorriso morno.

Dom Guilherme não permitiu que a falta de entusiasmo dela arrefecesse seu ânimo.

- A senhora gostaria de cavalgar um pouco?

Os olhos cinza dele brilhavam cheios de expectativas e Victória, reconhecendo o esforço do esposo, não pôde negar-lhe aquele convite.

- Essa me parece uma ótima ideia.

Ela deixou o livro sobre a chaise longue e, erguendo-se, seguiu Dom Guilherme até os estábulos. Ele pediu a um dos criados que selasse dois cavalos mansos para ambos.

O jovem fidalgo ajudou-a a montar e ambos cavalgaram juntos. Victória, desde que chegara, não havia descoberto ainda as belezas do lar a qual fora destinada. Dom Guilherme apresentou-a a cada canto daquele lugar, às árvores, ao lago, às flores e aos pássaros que haviam se instalado ali. Era tudo tão maravilhosamente lindo e, por alguns segundos, ela não pôde reprimir um pensamento orgulhoso de que tudo aquilo também era seu.

- Eu cresci aqui - ele contou a ela. - Brincava às margens do rio. Lembro-me que mamãe morria de preocupação, na verdade, ela me proibia de vir sozinho, pois tinha medo de que eu caísse e me afogasse, mas eu era muito travesso e sempre escapava quando podia - ele riu.

Victória ouviu suas histórias e sentiu como se Dom Guilherme estivesse falando de outra pessoa. Não conseguia imaginar aquele homem taciturno gozando de tamanha liberdade e vivacidade. Imaginou-o pequerrucho, com seus cachos rebeldes e castanhos, os olhos cinza e a pele levemente bronzeada, correndo por aquele vasto espaço e a visão preencheu seu coração com um sentimento estranho de ternura.

- Olhando-o agora não me parece que o senhor tenha sido assim um dia - ela deixou escapar, mas logo repreendeu-se e levou os dedos aos lábios num gesto que denunciava seu arrependimento. - Eu não...

- A senhora está certa - ele interrompeu suavemente, um sorriso pesaroso. - Muito cedo todo esse vigor me foi tirado. Perdi meus pais e, sozinho, tive de assumir muitas responsabilidades. Isso talvez tenha me tornado mais sério, mas no fundo eu ainda sou aquele garotinho, Victória.

A profundidade com que Dom Guilherme a encarou, fez com que Victória se sentisse um tanto desconfortável. Ela podia compreender muitas coisas sobre ele agora que lhe concedia parte do seu tempo, mas não podia dizer que tudo aquilo fosse o suficiente para fazer com que ela esquecesse Jorge. Talvez, pensou consigo mesma, o tempo tratasse de ajudá-los. Ao menos, ela já não o detestava como antes.

Passado um tempo, Dom Guilherme sugeriu que retornassem.

- Espero que tenha gostado do passeio e que a companhia não lhe tenha sido tão desagradável - ele disse quando entraram no casarão.

- Apreciei a ambos - ela garantiu-lhe com um sorriso doce e, incrivelmente, não estava mentindo.

Nos dias seguintes, Dom Guilherme levou-a a cidade, ao teatro e a todo tipo de lugares que pudessem encantá-la. Já havia se tornado habitual que todas as manhãs ambos fizessem uma caminhada pela propriedade e Victória passou a gostar daquelas horas com o esposo e até sentia falta quando não era possível que realizassem aquela prática. Nunca fora tão mimada, nem mesmo por Jorge e precisava reconhecer que cada vez mais Dom Guilherme parecia adquirir um lugar especial em seu coração.

ღღღ

Havia uma gama de livros na biblioteca de Dom Guilherme, desde volumes nacionais até autores estrangeiros. Embora não soubesse falar ou ler outras línguas, pois, sendo filha de um pobre comerciante, não tivera a educação refinada das damas da corte, Victória tirou da estante um dos volumes de capa dura e letras douradas que tanto lhe chamara atenção. Contornou aquelas letras com os dedos e, mesmo não sabendo do que se tratava o volume, achou-o extremamente atraente.

- A senhora aprecia Jane Austen? - soou uma voz atrás de si, fazendo-a dar um salto.

Dom Guilherme riu e recebeu uma repreensão calorosa. Mas ele não se importou, pois achava fascinante quando Victória ficava irritada. Suas faces claras adquiriam um tom vivo de escarlate que a deixava ainda mais encantadora.

- Nunca mais me sobressalte assim - ela o admoestou, mas logo sua expressão irritada transformou-se numa careta triste que ela tentou desfazer antes que Dom Guilherme notasse. Mas para ele, um amante perceptivo, qualquer pequena mudança naquela fisionomia, ainda que durasse poucos segundos, não lhe passava despercebido.

- O que houve?

Ela hesitou, não por vergonha, pois jamais achara que sua condição fosse digna disso. Victória hesitou, porque não queria que ele a achasse uma tola.

- Parece-me um bom livro, mas eu não consigo compreender outros idiomas - confessou fitando os próprios pés.

Com os dedos, Dom Guilherme tocou o queixo de Victória e trouxe o olhar dela para o seu.

- Se a senhora me permitir, eu me sentiria honrado em ensiná-la.

Os lábios de Victória abriram-se incrédulos ao mesmo tempo em que seus olhos cintilavam com uma alegria incomum.

- O senhor faria mesmo isso?

- Com prazer - disse e, aproximando-se, tocou o rosto dela com seus lábios.

Aquele gesto inesperado fez as bochechas de Victória arderem e seu coração pulsar com tamanha força, que ela temeu que Dom Guilherme também estivesse ouvindo aquele som.

- Obrigada - agradeceu num fio de voz quando ele se afastou.

Dom Guilherme pediu desculpas, mas precisava ter com seu administrador. Ele beijou as mãos da esposa e se retirou, deixando ali uma Victória tonta e, pela primeira vez, incerta sobre os próprios sentimentos. Nem mesmo Jorge houvera despertado nela tamanho torpor e aquilo a confundiu, deixando-a totalmente atordoada.

Que Tu Me Queiras  (CONTO)Where stories live. Discover now