25b. Em território estranho (Ava Vera)

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Acordo com movimentos e barulho em minha volta. Olho para cima e percebo a casa grande, o sapé de alto a baixo, os paus e as redes. Uma claridade ainda fosca é perceptível pela porta, que está removida. Um vento fresco e úmido chega a mim. Então me lembro de onde estou: a casa grande do clã dos Jagwaretê Ypy. Olho e vejo que meu irmãozinho ainda está dormindo ao meu lado. Procuro por minha mãe e irmã e, graças a xe Járy, noto que elas ainda estão dormindo em suas respectivas redes. O barulho e movimento que me acordou vem dos homens adultos do clã. Estão se preparando para sair.

Lá fora, a chuva parou, parece que teremos sol. Sem me mexer muito, observo em volta. Na ponta da casa grande, perto de uma das portas laterais, no fogo aceso, posso ver que algo é cozinhado e outras coisas são assadas. Sentados em suas redes, ou transitando por entre as redes, os homens tomam kagwĩ.

Assim que o alimento fica pronto, as duas mulheres servem a comida aos homens. Estes, assim que comem, se preparam para sair. Pegam suas armas e outros apetrechos. Falam baixo. Provavelmente não querem nos acordar. Um a um, se dirigem à porta central e saem, até sobrar somente as duas mulheres e os dois garotos. Parece que os garotos hoje não vão com eles.

Quando o silêncio e quietude voltam a se instaurar, a grávida leva as crianças para o seu lado da casa e as arruma. Pegam ferramentas e armas e saem pela porta lateral. Acho que estão indo para a roça.

— Dormiu demais, irmão! – minha irmã desce de sua rede, se colocando perto de mim. – Todo mundo já saiu.

— Eu já estou acordado. – Respondo falando baixo, porque não quero chamar a atenção da velha sobre nós. – Vi quando eles saíram.

— Não seria bom a gente se aprontar e partir? – Diz minha irmã – Parece que a chuva já passou. E eu queria ir embora daqui o mais rápido possível.

— Por mim, poderíamos sair agora. – Digo. Acho que até mais que minha irmã, eu quero sair dali. – É só esperar nossa mãe acordar e poderemos ir.

— Eu também já estou acordada. – Diz minha mãe, também em tom baixo. – Mas iríamos para onde? Foram suas visões e as revelações de seu pai que nos trouxeram aqui. E agora, você tem alguma outra revelação?

O tom de sua voz se torna irônico nas últimas expressões, e eu fico sem palavras e sem ação, afinal, ela tem razão. Fui eu quem os trouxe para este local. E agora não tenho ideia de onde estou e de que direção tomar. Me levanto colocando-me mais perto delas.

— Eu me enganei da última vez que entoei o cântico-reza. Interpretei o sinal de forma errada. Não era por aqui a direção. Mas agora eu já sei que caminho tomar.

— Será que sabe mesmo? – agora a voz de minha mãe se torna irritante. – Vamos ficar aqui mais um pouco. Vamos ver se o tempo firma mesmo sem chuva. Depois a gente vai. Talvez após o almoço.

Concordo com ela, ainda que irritado. A velha se aproxima de nós com algum alimento à base de mandioca e milho ralado. Nos oferece. Minha mãe e xe rendy se sentam em suas redes para comer, eu fico em pé mesmo. Mitã'ĩ acorda.

Xe sy! – ele chama por minha mãe. – Estou com fome.

Minha mãe se abaixa onde ele está e lhe oferece do que está comendo. Ele pega e come. Está realmente com fome.

Após comermos, penso que seria bom sair para caçar e ver se tenho alguma noção de que direção e caminho tomar. O sol começa a aparecer sobre as árvores, após o pátio.

— Acho que vou sair para caçar.

— Vou com você. – Diz Mitã'ĩ, já pegando suas coisas.

Jegwaká: o Clã do centro da Terra (COMPLETO) 🏆Prêmio Melhores de 2019 🏆Onde as histórias ganham vida. Descobre agora