Uma babá para os Morgan

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Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião.

Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.

- Nelson Mandela


― Gabriel! Ditch! ― Dante empurrou a porta de madeira com força e viu a bagunça diante de seus olhos. Brinquedos estavam espalhados pelo chão, o tapete revirado e as duas camas desarrumadas. ― GABRIEL! DITCH!

Os risos animados surgiram debaixo da cama juntamente de dois tufos de cabeleira escura. Arregalaram os grandes olhos azuis diante do pai irritado.

― Encontraste-nos! ― Gritaram entusiasmados, saíram debaixo da cama com a base de madeira e correram em direção do pai. Abraçaram-no em volta das pernas, sem parar de saltar e gritar animados.

― Terão visto como se encontra o vosso quarto? ― Perdeu as forças para gritar, agachou-se perante seus dois filhos iguais, mas que pouco se pareciam consigo. ― Deverão arrumar tudo isto! Decerto passaram a tarde a brincar e não fizeram os trabalhos para casa.

Os dois rapazinhos trocaram olhares traquinas e engoliram em seco ao mesmo tempo. O pai respirou fundo, sentia-se cansado e ainda tinha trabalhos do jornal por fazer. Era difícil ser responsável pelas notícias principais numa pequena cidade pacata onde nada acontecia.

As gavetas estavam abertas, as roupas dispostas pelo chão e os brinquedos fora das caixas. Várias folhas brancas mostravam diferentes desenhos e seus respectivos lápis estavam distantes uns dos outros.

― Vamos, arrumem isto e desçam para resolvermos as lições ― disse levantando-se e uma leve dor de cabeça apoderou-se de si. Coçou o bigode com as pontas dos dedos.

― Não poderemos... brincar? ― Perguntou Gabriel de forma lamecha. Era o mais sensível entre os dois.

― Não, claro que não. O sol já se pôs, temos que começar a arrumar a casa ― declarou impaciente, saindo do quarto a massajar as têmporas e a estalar os dedos das mãos.

Passou pelo corredor cheio de roupas e objetos espalhados, desceu as escadas de madeira que rangeram a medida que pisava um degrau, até chegar na sala de estar onde Sara de quinze anos arrumava, toda trombuda.

― É melhor desamarrares a cara, és a única mulher desta casa, deves ajudar a tomar conta dos teus irmãos! ― Advertiu Dante a recolher os copos e pratos na mesa, visivelmente aborrecido. Em seus tempos, jovens da idade da sua filha já estavam bem preparadas para cuidar de famílias com facilidade, não que desejasse algo tão imediato para ela, mas contava que ao menos o pudesse auxiliar.

― Sou uma criança e não uma mulher! ― Retorquiu impertinente, a limpar os braços de madeira dos sofás com os assentos estofados.

― Quando tinhas o baile por ir, disseste exatamente o contrário! ― Lembrou-lhe num tom de voz grave e em seguida dirigiu-se para a copa apenas iluminada pelo candeeiro à petróleo. Atirou a loiça e olhou extasiado para o irmão deitado na grande mesa de madeira.

― Callum! Callum! ― Bateu por cima da superfície lisa com os nós dos dedos, e o outro ergueu a face assustado.

― Que horas são? As crianças...? ― Coçou a vista exótica, uma mistura de azul e cinza. ― Regressaste cedo?

Dante olhou para a garrafa de rum vazia deitada ao lado de onde estava a cabeça do irmão e fechou os olhos em busca de uma paciência que não lhe competia.

Xadrez, à Preto e BrancoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora