Capitulo 10

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DORIAN

 A casa da mãe de Angel era muito diferente do luxo que a casa de seu pai ostentava. Existia um ar acolhedor de simplicidade. Até pude imaginar a bonequinha do mal, em sua versão mais nova, correndo através do piso de madeira enquanto exibia um sorriso traquinas. Marina alimentou essa imaginação, me enchendo de biscoitos e contando histórias que deixara a filha mortificada.

Angel nasceu prematura. Seu pai chorou feito um bebê com a chegada da bebezinha, gritando pelos corredores a novidade para estranhos e assustando as enfermeiras: "a minha filha nasceu! A minha filha nasceu!" Nunca se viu ali um recém papai mais feliz, tiveram que sedá-lo, tamanha era a euforia! Ela sempre fora geniosa, no jardim de infância chegou a fazer o coleguinha da turma engolir areia após ouvir dele um "enterrei sua Barbie no jardim", o que rendeu risadas da mãe e dores de cabeça no pai. Ver Audrey Hepburn na tv a fez decidir ser atriz. Os pais levaram a declaração a sério quando a garotinha se tornou a primeira da classe da escola de teatro juvenil.

Angel subiu as escadas para tomar banho, cansada de ouvir a exposição de si mesma. Marina acendeu um cigarro, encostando o quadril no mármore da pia enquanto me observava secar o resto da louça. O cabelo estava preso num coque e o rosto angelical franziu em uma careta preocupada. As suas feições não eram tão diferentes da filha: possuía os mesmos fios lisos, o mesmo sorriso também, exceto os olhos: uma das características expressivas que a bonequinha do mal herdou do Robert.

— Como Angel tem estado?

— Ela está bem. Fez até uma amiga.

— Ela fez?

— A Sam. As duas saíram juntas uma vez. Angel é bem divertida quando se permite ser.

Marina sorriu de um jeito triste, mas ao mesmo tempo cheia de alívio.

— Isso é bom.

Angel surgiu no batente da porta, trazendo sua bolsa vermelha. O vestido preto era soltinho e uma parte de seu cabelo estava caído ao redor do rosto.

Poderia contemplar a garota por horas, dias, uma eternidade, e ainda assim não seria capaz de pôr em palavras a atração febril que sentia por ela.

Marina tentou abraçar a filha lá no carro, mas ela apenas se esquivou e entrou. Sentei no banco do condutor, acenando uma última vez para sua mãe antes de arrancar.

— Você me leva até o vovô? A casa dele é perto e não vou demorar muito.

— É claro, sem problemas.

Ouvi com atenção as instruções sobre o endereço. Depois de passarmos por algumas propriedades, finalmente estacionei em frente a uma das casas geminadas de tijolos antigos na virada da rua.

Tirei o cinto. Minha companheira de viagem não se moveu.

— Você não vai descer?

— Sim, claro... — Engoliu em seco, olhando para a janela do avô com hesitação. — Eu só...

— O quê?

Percebi a tensão em seus ombros.

— Nada. Vamos lá.

Angel desceu do carro, batendo com a porta. Juntos percorremos o gramado verde até alcançar a escadinha da porta de entrada. A garota tocou a campainha e roeu as unhas, como uma espécie de toc. Por que estava tão tensa?

1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora