6. aparição (parte 2)

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Porãsy se assustou muito. Lembrou-se que o acampamento estava quase vazio e que o lugar era muito acessível a quem quisesse chegar ali.

— Que... que... quem é você? — perguntou, sentindo que não só a voz tremia, mas todo o corpo. O fato de estar sozinha e de não conhecer o garoto que estava ali encarando-a levantou um monte de possibilidades de males que ela poderia sofrer.

O rapaz não respondeu. Apenas a fitou e ficou olhando-a como se a conhecesse e temesse ou... odiasse.

Porãsy sentiu seu olhar, primeiro a encarando, despois percorrendo seu corpo. Era um olhar que queimava, que intimidava. Ele não era do acampamento, mas também não era branco. Quem seria?

Foi nesse momento que seu primo surgiu pelo caminho da lagoa e, assim que o desconhecido o viu, sumiu como mágica em meio à folhagem. O coração de Porãsy estava acelerado. Ela ficou apavorada. O estranho rapaz a deixou tremendo e sem forças nas pernas.

— O que foi, prima? Você me chamou? — seu primo falou, mas ela estava paralisada.

— Prima! — ele insistiu. — O que houve?

Ele se aproximou de Porãsy e ela continuou ali, sem conseguir se mover, presa ao chão, com algo como que minando suas forças. Porãsy sentiu que ia desmaiar.

— Prima! — seu primo mexeu em seu braço com força, tentado tirá-la do transe em que se encontrava. — O que houve? Você está branca. Viu algum ãygwéry (1)?

Sim, ela achava que tinha visto um ãygwéry. E ele havia sumido no mato.

— Prima, acho que você não está bem, não. Vem, vou te levar para o barraco.

Era o que ela desejava, no momento: ir para o barraco. Porãsy não queria mais ficar ali. Estava confusa, não entendia o que tinha acontecido.

— Você viu? — conseguiu falar, por fim.

— O quê? Como assim? Eu não vi nada. O que você viu? — ele perguntou, assustado, olhando ao redor. — Quando cheguei, você já estava aí como uma estátua e com esses olhos esbugalhados.

— Um rapaz... Sei lá se era rapaz mesmo. — A voz de Porãsy ainda tremia. — Parecia um rapaz, mas tinha alguma coisa nele que não era humana. Você não viu nada mesmo?

— Prima, acho que você ficando louca! Está ouvindo muito as histórias do vovô. Te falei, né? Vem, vamos. Eu não vi nada, nem ninguém. Vamos, vou te levar para o barraco de vocês, você toma uma água e se acalma.

Porãsy se abaixou com a intenção de ajuntar suas coisas.

— Deixa isso aí — disse Thomas. — Depois eu ajunto tudo e levo lá. Você está tremendo. Estou com medo de você desmaiar. — Estendeu sua mão e ela, relutante, a pegou. Sentiu-se mais segura.

A adolescente se deixou conduzir pelo primo. Ele a levou até o barraco. Passaram por Yvy Rajy deitada na rede. Ela dormia.

— Yvy, acorda! — Thomas chamou a irmã de Porãsy com a intenção de acordá-la. — Sua irmã não tá passando bem, não.

A jovem acordou, olhou para o primo, para a irmã, pulou da rede e socorreu Porãsy.

— O que foi com ela, Thomas? O que você fez com ela? — Yvy Rajy perguntou em tom de acusação.

— Eu, Yvy? Eu não fiz nada. Tava nadando de boas, lá, quando ouvi o grito dela. Corri para onde ela estava e a encontrei assim: paralisada e com os olhos estatelados, como uma boba. Disse que viu alguém ou alguma coisa, sei lá. Já falei que vocês dão ouvidos demais às histórias do vovô. Vai ver, ela viu um ãygwéry.

Nhandejáry nos livre e guarde! Estamos sozinhas aqui, hoje. Não pode ter assombração por aqui, não. Vamos, mana, deita aqui na rede. Eu também já falei para a Porãsy que ela fica dando atenção demais às histórias do vovô. — Ela abriu a rede e a irmã se deitou, sendo ajudada por Thomas. — Eu sabia que ia dar nisso. Porãsy é muito sensível, absorve tudo que lhe falam e o vovô fica enchendo a cabeça dela com essas histórias.

— Vou pegar uma água para ela — disse Thomas. — Depois vou lá terminar de lavar as coisas dela e trazer para estender.

— Pode deixar que eu faço isso, Thomas. Fica aqui com ela. Essas coisas tinham de acontecer quando não tem quase ninguém aqui. E se ela não melhorar, o que a gente vai fazer?

— Não, prima, eu vou cuidar da roupa. Vai que tem gente de verdade lá? Talvez algum capanga da fazenda que sabe que vocês estão sozinhas e querem lhes fazer mal. Deixa que eu vou lá. Ela já tava terminando, eu acho. Vai ser rápido.

Dizendo isso, Thomas buscou a água e deu a Porãsy. Ela ainda tremia.

Depois que Porãsy estava deitada na rede e sua irmã sentada perto dela em uma cadeira que trouxera, ele foi cuidar das coisas que tinham ficado na beira do córrego. Porãsy ainda estava muito assustada. Sequer pensou no quanto seu primo estava sendo prestativo. Não lhe passou pela cabeça, naquele momento, que ele estava sendo prestativo demais...

***


Olhos milenares se escondiam atrás da vegetação, observando o jovem levar com cuidado a bela adolescente.

Havia incredulidade neles.

Era ela. Não havia outra cuja beleza pudesse ofuscar o brilho do Sol.

Se era ela, então a profecia voltara.

E era a sua destruição... Dele e de sua família.

O medo se instaurou em seu ser e ele se desesperou. Bem que seu irmãozinho lhe tinha avisado, mas ele não acreditou, teve que vir vê-la com seus próprios olhos.

Era ela... Porãsy.

E agora o que deveria fazer?

Precisava ter calma, antes de avisar seus irmãos. De repente uma ideia lhe surgiu na mente.

Talvez desse certo.


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Nota de rodapé: 

1- ãygwéry — fantasma, assombração, espírito de mortos. 


(Não se esqueça de votar na estrelinha) 

Porãsy e o estranho mundo das histórias de seu avô indígenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora