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Dormi tão bem e leve ontem. Quer dizer, depois do show de buzinas e de o cara parar de bater incessantemente na porta da minha casa, após isso sim, eu dormi otimamente.

Me arrumo e tomo meu café da manhã, em seguida encontrando com minha mãe na sala assistindo televisão. Já havíamos conversado mais cedo sobre o que houve ontem. E ela achou que fiz certo em não ter cedido aos caprichos de Andrew.

"Mãe, estou indo para o trabalho. Qualquer coisa me liga." digo e então ela me fita com atenção

Ela me olha de cima abaixo e depois de um longo tempo sorri

"Como minha bebê cresceu. Está tão linda." diz e me abraça.

Three, two, one.

(3,2,1)

Vai começar o choro.

Bom, não que eu esteja reclamando de nada, mas minha mãe é, digamos, extremamente emotiva, então qualquer coisa é motivo de choro.

Ah, um sapo morreu, e lá vamos nós para o choro.

Ah, matei uma formiga que estava em nossa pia quando fui lavar louça, e lá vem as Cataratas do Iguaçu.

Ah, o filho do vizinho tirou dez em matemática, lá vem o rio Nilo (nesse caso lágrimas de felicidade, suponho).

É sempre assim, desde que me conheço por gente, já virou rotina. Na verdade acho que um pouco disso é carência já que depois que meu pai nos deixou nada continuou igual. Bom, eu pensei que eu havia ficado mal, até realmente crescer e perceber que minha mãe se encontrava em um estado bem pior que o meu.

Eu não soube até os 15 anos, mas ela chorava todo santo dia, ao meio dia. Eu descobri isso quando precisei voltar mais cedo da escola por ter tido aula vaga, cheguei quieta pensando em fazer uma surpresa para ela e ouvi soluços, então fui verificar o que estava acontecendo e lá estava ela, chorando como uma criança que acabou de perder seu animalzinho de estimação preferido.

Na hora eu fiquei meio atônita, não sabia o que fazer então saí de lá sem que ela me visse.
Eu simplesmente saí e fui parar num parque qualquer.

Bom aquele parque mais tarde virou o meu parque da dor. E mais tarde eu conheci o Andrew lá, sentado no meu banco, onde eu chorava sempre por dores adolescentes. E posteriormente ele também acabou se tornando motivo do meu choro naquele banco.

Até aí tudo bem (ou não). Mas então eu comecei a fingir que sentia dores na escola para voltar mais cedo para casa, quase sempre perto de 12:00h. E eu sempre ouvia os soluços.

Bom, decidi então tomar uma atitude e comecei a tentar ajudar ela. Eu tirei ela do choro por algum tempo, mas percebi que piorei a situação quando olhei em seus olhos e vi tudo preso lá dentro. Todos os sentimentos sendo contidos. Aquilo começou a se acumular de tal forma, até virar uma depressão profunda.

E por mais que ela fosse em psicólogos, tomasse remédios e tentasse, eu sabia que no fundo aquilo não iria passar tão cedo. Eu sabia que ela iria continuar assim até o meu pai se decidir e voltar. Mas infelizmente foi uma escolha dela viver se martirizando e eu não conseguia  ajudar nisso.

Meu pai nos deixou e ela ainda não superou isso.

Meu pai até foi um bom pai, até começar a beber, por fim virando um alcoólatra. Aí foi caminho aberto para virem as drogas e as constantes brigas entre ele e minha mãe. Graças a Deus ele nunca chegou a bater nela.
Mas esse assunto ainda é delicado e minha mãe ainda não consegue falar muito sobre, então não pergunto o que realmente fez meu pai ir embora e nos deixar sozinhas, apenas acredito no que minha mãe disse. Que ele fez a escolha dele.

Meu Chefe (LIVRO PAUSADO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora