Gótica das Trevas

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Me olho no espelho mais uma vez, deixando meus cabelos negros e ondulados caírem sobre os ombros e cobrirem toda minhas costas. Reforço a maquiagem preta nos olhos e deixo o casaco do uniforme aberto, mostrando orgulhosamente minha camiseta do guns n' roses por baixo da camisa social da escola. Sempre tive meu próprio jeito de usar o uniforme, mesmo que a saia fizesse parecer que meus quadris eram ainda maiores do que já aparentavam na calça jeans. Ficava desleixado e o all star completava o estilo "gótica das trevas", como me apelidaram no colégio. Na verdade o apelido me agradava, apesar de não definir "minha tribo".

Pego a mochila sobre a cama e desço as escadas correndo até a cozinha, lá beijo minha mãe, pego uma torrada e me apresso para mais um dia de aula. Caminho dois quarteirões com os fones no ouvido e minha playlist matinal rotineira, me ajudava a acordar já que eu não era uma criatura da manhã. Atravesso os portões da escola quando a quinta musica da playlist começa e já me sinto entediada com todas aquelas pessoas de sempre. A minha sorte é que depois de tantos anos frequentando a mesma escola eu também virei uma "das mesmas pessoas de sempre", a invisível.

Veja bem, eu sou coreana. Nascida e criada na Coréia, fluente no idioma, CLARO. Mas meus pais são brasileiros que vieram morar na Coréia a trabalho e a muitooo tempo. Sou uma coreana de sangue completamente brasileiro, sem nenhum traço oriental, isso significa que a minha vida inteira eu fui tratada como uma estrangeira em meu próprio país. Embora as vezes tivesse suas vantagens, como ser fluente em três línguas e ser destacar facilmente, na maioria das vezes enche muito o saco.

Passo direto pelo grupinho de sempre do Kim Seokjin e Park Jimin cercados pelas meninas de sempre. Não sou notada, como sempre, e me junto aos meus dois amigos de sempre sentados no gramado oposto e isolado.

- E aí Ásia! – Dong Yul me cumprimentou assim que me aproximei.

Só ele me chamava assim, qualquer outra pessoa que ousasse me chamar pelo meu nome odiado acabaria com o olho roxo. Ásia Cecília Prado, sério mãe? Sério pai? Quiseram homenagear meu local de nascimento depois de uma noite de bebedeira, só pode. Ainda bem que não me chamaram de Coréia. Por que não escolheram homenagear o Arctic Monkeys e me chamar de Arabela? Pelo menos eu teria uma música legal com o meu nome.

- Fez o trabalho de física? – Chin Mae pergunta já mexendo em minha mochila – Não consigo entender essa matéria.

- Você fala isso de todas as matérias Mae – respondo enquanto ela começa a copiar minhas questões.

Mesmo com os fones de ouvido ainda conseguia ouvir tudo ao meu redor. A risada de uma das garotas populares, que eu sempre me esqueço de lembrar o nome, me chama atenção.

- Oppa... não diga essas coisas – ela escondia a boca com uma das mãos enquanto batia gentilmente no ombro de um dos garotos. Acho que era o tal de Hope.

A amiga popular número 1 estava apoiada no braço de Park Jimin e todos os garotos riam histericamente das garotas que se encolhiam em sua fofura.

Tédio... tédio.. tédio.

O sinal bate anunciando o inicio das aulas e nós três somos os últimos a entrar na sala, sem pressa alguma. Três dos sete garotos do grupo Seokjin estudavam comigo e quatro das infinitas garotas que os rondavam também. Como uma boa gótica das trevas eu não era uma nerd, mas mesmo assim sempre tirei notas boas sem precisar me esforçar. Acho que o DNA brasileiro da preguiça somado com a inteligência nacional coreana trazia alguns benefícios afinal de contas.

Na hora do intervalo me sento com Yul na sombra da arvore do pátio enquanto Mae persegue seu ex- namorado Choi, como uma boa stalker que não superou a perda. Explico a matéria de literatura ao meu melhor amigo, ao mesmo tempo em que nossa existência é ignorada por todos os outros seres humanos. Eu gostava bastante do meu anonimato, já que era exaustivo ser uma estrangeira coreana 90% do tempo restante.

De vez em quando me pegava reparando nas outras garotas e seus trejeitos. Constatando que eu nunca seria igual a nenhuma delas, sem dom nenhum para o seu aigoo natural. Rio comigo mesma.

As aulas restantes passaram voando já que os três professores se juntaram para passar um projeto de três partes unindo as três disciplinas, então ficamos assistindo filmes até o final do período.

Caminhei com meus amigos até os portões e antes de me despedir Yul fala:

- Um amigo meu ficou gamadão na sua foto – sorri malicioso.

- Que foto? – perguntei confusa.

- Uma que eu postei de nós dois no instagram anti ontem. Ele ficou me fazendo um monte de perguntas sobre você.

- Diga que eu sou muito nova para namorar. – dei de ombros.

- Ele é totalmente o seu tipo, igualzinho a você. – insiste.

- Ok Yul, te vejo depois – revirei os olhos e segui a direção da minha casa depois de me despedir de Mae.

Ansiosa por antecipar minha tarde de preguiça, comendo besteiras em frente a TV.

(...)

Pausei o décimo episódio do meu anime preferido e desci para pegar mais um pedaço de bolo na geladeira. Ao subir as escadas novamente ouço o barulho da porta, anunciando a chegada da minha mãe. Quando eu estava prestes a entrar de novo no meu quarto, ela grita o meu nome. Bufo impaciente deixando o bolo sobre o criado mudo e descendo as escadas mais uma vez.

- O que foi mãe? – pergunto e logo percebo que ela não está sozinha.

- Ásia, essa aqui é uma nova amiga do meu curso de costura. Senhora Yun. Nós somos voluntarias numa campanha para arrecadar agasalhos e doar aos desabrigados.

- Muito prazer – sorrio me curvando.

- Nós vamos trabalhar toda segunda e quarta aqui em casa filha.

- Meu filho me leva de carro e nos ajuda com as caixas e outras coisas. Ele está de castigo – a senhora Yun ri com a minha mãe, compartilhando seus infortúnios de serem mães.

- Ásia, abra a porta e ajude com as caixas por favor? Eu e a Yun vamos fazer um chá.

Disse já puxando a senhora Yun para a cozinha. Ri sozinha das loucuras generosas de minha mãe e seu jeito extrovertido, mas meu sorriso morre ao abrir a porta e dar de cara com Park Jimin na minha casa.

Tipo Ideal Perfeito - pjmOnde as histórias ganham vida. Descobre agora