Me inclua fora dessa

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— NEM FUDENDO! – Gritou Caio, em alto e bom som, não se importando se alguém fora do escritório escutasse. – Você tá maluco, Alberto??

O velho urso levanta de sua cadeira, em direção ao jovem.

— Me deixa te explicar...

— Não há o que explicar! – respondeu o jovem, levantando-se da cadeira de onde estava e se afastando de Alberto. — Você quer se separar do seu marido por seja lá qual for o motivo? Sem problemas. Só não vem dizer que é por minha causa.

— Caio... - insistia Alberto, tentando se explicar.

— Escuta você, Alberto. Eu não tenho interesse em uma relação neste momento. Ainda mais com o meu chefe, que está numa crise matrimonial. Sabe o ditado: "onde se ganha o pão, não se come a carne"? Pois é. Sou desses.

— CAIO. – disse Alberto, tentando falar.

— E nem vem com esse papinho de apaixonado que eu...

— CALA A BOCA E ME ESCUTA!! – rugiu o velho urso, calando Caio, que engoliu em seco. Em todo o tempo que esteve com Alberto na Terra Prime, nunca o viu daquela maneira. Já tinha ouvido algumas histórias de ex-funcionários que trabalhavam para ele que era muito raro vê-lo alterado. Mas que, quando acontecia, você desejaria enfrentar uma horda de zumbis com uma faquinha de plástico.

— Sente-se e me escuta, caralho! – continuou. – O que eu pareço pra você? Um moleque?

Caio sentou de volta a cadeira, quieto. Alberto, respirou fundo e voltou à sua mesa.

— Sabe o que é você achar que achou a sua alma gêmea e estar redondamente enganado?

— Na verdade, não. Esse conceito de alma gêmea, metade da laranja, etecetera e tal para mim é mais uma coisa de novela que a gente acabou absorvendo. Somos mais de sete bilhões de habitantes nesse planeta. É muita forçação de barra achar que estamos interligados a apenas uma pessoa, não acha? – rebateu o jovem, calmamente. Alberto deu outra respirada profunda.

— Às vezes você é bastante irritante com essa coisa de sempre ter uma resposta para tudo. — "Seu outro eu da Terra Prime também achava.", respondeu mentalmente o rapaz, esboçando um sorrisinho sarcástico. O que não impediu que Alberto continuasse a falar:

— Então diante disso você entende o porquê da minha decisão? Eu o amo, mas o sentimento mudou. Eu queria ter uma explicação lógica para isso tudo. Mas esse tipo de coisa não requer explicações lógicas. Apenas aconteceu. Meu sentimento por ele se transformou. Eu gosto dele...

— Mas como um filho. – completou Caio, relembrando daquele fatídico encontro que teve com Alberto na Terra Prime, anos atrás.

— Exato! Eu me importo com ele. Mas não posso mais retribuir esse amor. Acho que nunca pude. Ele é especial para mim, sim, mas como filho. Não como namorado. Até mesmo a nossa convivência na cama está fria.

— Nesse caso não teria sido mais sábio sentar e conversar em vez de já ir beijando seus funcionários na boca?

— Antes que você diga qualquer coisa, você não é o motivo da minha separação. É apenas a gota d'água. Eu sei que errei no carro ontem, mas é que estou muito carente. E me deixei cativar por você.

"Sabia!" , pensou Caio. "Tava demorando começar a citar o Pequeno Príncipe!". Odiava quando alguém usava essa desculpa de 'se tornar eternamente responsável por quem cativas'. Para ele não passava de uma desculpa para pessoas carentes justificarem seus atos.

— Relacionamentos passam por dificuldades. Acabar pode parecer a solução mais fácil. Mas você tem certeza que um diálogo franco entre vocês não resolveria o problema?

— Você fala como se eu e Leonardo estivéssemos predestinados a ficarmos juntos!

"Na verdade, estão. E foi o próprio cupido que me disse! Por isso eu voltei no tempo e desfiz o relacionamento que tive com você por pouco mais de um ano." – respondeu mentalmente o rapaz. O velho urso continou:

— Eu queria alguém para ser meu companheiro, que me completasse. Eu gosto de ser o 'Paizão Urso', mas as vezes também preciso de carinho, apoio. E ele parece tão indiferente comigo. Eu acho que foi por isso que comecei a gostar de você. – disse, sorrindo. — Eu só queria que você me desse uma chance. Uma chance para nos conhecermos melhor e quem sabe...

— Em primeiro lugar, não existe 'nós'. – cortou Caio. - Olha, foi uma noite difícil para ambos e temos trabalho a fazer. Te disse ontem o que penso a respeito e minha opinião não mudou. Eu vou voltar a minha mesa e começar a trabalhar. Eu te aconselho de verdade a conversar com o seu companheiro.

Alberto fitou o rapaz em silêncio. Por muito menos já o teria posto no olho da rua. Mas admirava esse jeito direto dele. E fora isso, ele tinha certa razão em suas palavras. Tinha dois escritórios para tocar e já havia passado das dez. Fez um sinal positivo com a cabeça e balançou a mão, dispensando-o. Caio saiu da sala. Todos a sua volta no escritório o olhavam, com olhares que disparavam perguntas, ansiosos para saber o que havia acontecido na sala do chefe. Ignorando tudo e todos, foi até a geladeira na cozinha, pegou uma lata de energético e seguiu até a sua mesa em silêncio. Mal esquentou a cadeira e seu iPhone vibrava com mensagens do WhatsApp de Max.

"Miga, o que houve?"

"Agora não."

"Todo mundo ouviu a gritaria."

"Imaginei."

"Me conta no almoço?"

"Não posso."

":("

"Eu tô bem. É tudo que posso dizer."

"Ok... :/"

Caio não acredita no amorOnde as histórias ganham vida. Descobre agora