Semi-estado Da Putrefação.

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Loteamento Vale-verde.
Sexta-feira, 13 de 2013. 6:45 pm.

A noite começara intensa, com a chuva castigando o que restou do gramado naquele campo aberto. Ali onde muitas vezes reuníamos a garotada para jogar bola. Onde eu sem querer perdi a minha antiga moeda de 1 real que eu venerava como um amuleto. Aquela moeda nunca me trouxe nada, mas eu precisava dela para mostrar que eu acreditava em alguma coisa, sem me importar com que ou outros achavam.

Aquele campo de futebol sempre me trazia velhas e boas lembranças. Escondido por trás da janela semi-aberta, eu visualizava os raios se formando no céu escuro caindo em algum ponto da cidade e ouvia os sons dos trovões que ecoavam um tempo depois.

Estava sozinho em casa, de joelhos sobre o meu travesseiro, mas precisamente em cima da minha cama. Comigo morava um primo meu e o meu pai. Minha mãe, que descança em paz, morreu de câncer no pulmão a mais de três anos. Um mal provocado pelo o seu vício excessivo a cigarros. Nunca houve falta de avisos. Todos da família, até amigos, alertavam que ela estava se excedendo demais e precisava mais do que nunca diminuir a quantidade de cigarros tragados por dia - uma vez eu cheguei a contar quase três carteiras de Derby do azul -, mesmo assim ela insistia em continuar com a desculpa de que fumava para esquecer os problemas. Eu nunca acreditei em suas desculpas, já que eu nunca a via sem um cigarro entre os dedos ou espremido entre os lábios como ela fazia sempre que lavava a louça.

Com o tempo, eu e meu primo passamos a deixar ela conduzir a sua vida da forma que queria. Só o meu pai que insistia em conscientizá-la para que ela voltasse a ter a sua vida normal. Ela ouvia seus conselhos, cansada e desanimada, dizendo para ele não se preocupar, pois ela teria muitos anos de vida pela frente. Os meses se passaram até que uma noite ela precisou ser levada as pressas para um hospital regional mais próximo...

Fiquei a imaginar que seria um problema fácil de resolver. Nunca passou pela a minha cabeça que a situação ficaria tão grave, e ainda não passa... Vejo outro raio cair... Ouço mais um trovão... Voltei a realidade.

Quando você está sozinho em casa, durante o anoitecer, sem eletricidade, não há muito o que fazer e logo vem o tédio. Tudo o que você mais quer é aproveitar o frio, se enrolar em seus lençóis e dormir. Mas eu não poderia dormir sem que antes o meu primo voltasse da faculdade, ele havia esquecido sua chave em casa.

Foi o acaso que me fez lembrar que eu havia comprado há pouco tempo um livro de Tiago Toy, chamado Terra Morta. Talvez com a luz de uma vela eu conseguisse ler alguns capítulos. Um dos meus passatempos preferidos sempre foi ler. Gosto de ficção fantástica, fantasia, aventura e terror. Os melhores que eu já li foram os de Tiago Toy, tornei-me seu fã desde o primeiro momento em que li os seus contos.

O livro que eu procurava estava na sala, numa estante que eu reservei para os livros. Era questão de paciência encontrá-lo.

Larguei a visão dos raios fechando vagarosamente a janela para não apagar a vela sobre o pires em cima da cômoda e fui até a sala que ficava ao lado do meu quarto. Aproximei a vela passando o indicador pelos títulos até encontrá-lo. Ao puxá-lo, um ser assustado saltou em minha direção, batendo a cabeça em meu peito. Não pude evitar o susto que eu também tive. Depois que caiu de pé no chão saiu o medroso em disparada.

— Que isso Black! — Reclamei.

Comecei a rir do próprio susto que tive. Como eu pude deixar um animal me trolar? Black é o meu gato-sem-raça-preto que está na família desde que eu me lembro. Já cheguei a pensar que ele fosse o mais velho da família e me assustei com isso. Augusto, meu primo, sempre caçoou de mim, dizendo que ninguém arranjaria um nome melhor para um gato preto do que eu. Eu na defensiva sempre mandava ele tomar naquele canto e a zueira estava feita.

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