›» Capítulo 1 «‹

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Criar esperanças e viver com o pensamento que existimos só para virarmos um robô é pura ignorância e mentira inventada por mentes que querem nos controlar. Queria dizer que não somos uma máquina programada, mas parece que quanto mais tentamos sobreviver, mais nos preparam para sermos iguais aos outros. Talvez seja com esse pensamento — e inúmeros outros, de certa maneira — que eu não concordo com os ideais dos meus pais.

Não pude ter uma infância digna de uma criança, até porque me privaram de inúmeras coisas e muitas vezes tive que me virar. Olhava pela janela todos os dias e tudo o que via eram as crianças correndo. Eu sentia invídia, a inveja por não poder sentir as mesmas emoções. As únicas vezes que eu pude brincar foram quando estava de férias na praia, já que eles passavam tanto tempo preocupados com coisas alheias do que com o que acontecia na própria casa. Me arrependo de não ter sido uma criança mais irritante e insistente, mas com 17 anos não posso mais voltar atrás. Ignorância? Não. Talvez fosse apenas grosseria dos meus pais, já que minha mãe pensava apenas em status (ou melhor, ainda pensa), ignorando totalmente o resto que não traga lucro para ela, enquanto o meu pai vive com o ego tão no alto que está chegando aos céus. Pura insipiência.

A maior ignorância que eu já ouvi aconteceu quando eu era pequeno. Disseram que tínhamos uma família completa. Éramos tudo o que invejavam: a tradicionalidade, união, condição impecável e uma harmonia inigualável. Agora me digam: como é que somos tudo isso quando mal consigo olhar na cara deles? Nunca quis a perfeição mesmo. Quanta ingenuidade a minha! Se eu pudesse apagar todas as memórias de meu cérebro, faria isso todos os dias, ainda mais por viver uma rotina desgastante. Mas sabe a verdade? Eu tenho raiva; um ódio por ligar tanto para isso a ponto de fazer uma lista. Deveria deixar tudo isso para lá e ir para o colégio como um dia normal, mas nem lá eu consigo ter a tranquilidade. Tanta gente hipócrita que deixa o ar sem sentido. Só que, como sempre, adivinhem? Preciso aguentar isso. Equilibrar o que penso e superar o fato de frequentar o mesmo lugar que meus pais na época em que eram adolescentes, porque se eu dizer que discordo da integridade deles, serei considerado um adolescente mimado que quer chamar atenção com seus pensamentos modernos, sendo que não vai mudar em nada.

Então eu acabo ficando com apenas uma alternativa: a de continuar sendo um bosta. Por isso coloco um sorriso no rosto e caminho até o colégio, como se nada tivesse acontecido. Parece que me desvencilhei do passado, mas ainda há um fragmento dele em cada parte do corpo, nem que seja 1%. Penso nisso ao olhar para o prédio marrom da escola. Se eu pudesse reverter algumas merdas, faria isso com muita convicção, mas não posso. Deixei de controlar certas coisas há muito tempo, por isso só inspiro e aguardo com firmeza a minha cabeça que está prestes a se explodir.

Se eu estou errado? Sim, mas quem liga?

Saio do meu carro e caminho até a porta da entrada do colégio, que continua da mesma maneira. Nem para darem uma reforma nesse lugar. Vejo os mesmos grupos formados do ano passado, inclusive o qual eu me encaixo, onde encontro caras fumando e me esperando. Não vou mentir e dar uma de santo ao falar que nunca fumei, isso é uma mentira banal, mas desse grupo fui quem parou de primeira. Não é o meu estilo, e não é só porque eles gostam que eu irei fazer. Eu odeio.

— E aí, Lewis, resolveu sair do castelo? — David diz vindo me cumprimentar.

— Por mim ficaria mais esse ano dentro de casa — retruco.

— Você é um porre, cara — Gary, que está ao lado do David, diz dessa vez.

Talvez eu seja mesmo um porre de adolescente mimadinho que tem tudo na mão, mas ainda sim reclama. Só falta aparecer alguém e jogar isso na minha cara. "Caí na realidade, seu bosta!". Não estou sendo irônico.

Além do MarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora