— Perdi minha coragem de mudar.

          Finalmente respondo a segunda pergunta que ele me fez desde que chegamos aqui.

          — Hum... Então, para você, a simples mudança é o bastante para te salvar?

          Não era bem assim. Como disse, não tenho coragem de mudar. Mesmo que minha rotina se tornasse inválida, mesmo que meu dia-a-dia fosse completamente interessante, eu provavelmente me perderia de volta no tédio. Voltaria para minha maldita situação atual. Eu entrei em uma zona de conforto, mesmo que desconfortável.

          — Não.

          O ser que estava sentado no meio da sala parece inquieto com minha resposta. Sua face ainda está escurecida pela penumbra.

          Ele me pergunta novamente.

          — O que você pode fazer sobre isso?

          Já havia respondido essa pergunta... O que ele deseja de mim?

          — O tédio é uma sensação maldosa, uma sensação infernal. Ele pode tornar as pessoas realmente malucas se não for resolvido rapidamente. O tédio é um monstro que pode fazer as pessoas desistirem de suas próprias vidas.

          — Então você vai desistir? Digo, desistir de sua própria vida?

          Ridículo. Absolutamente ridículo. É por isso que odeio me sentir entediado. Não existe nada mais ridículo do que o pensamento de desistir da própria vida. De fato me falta coragem, mas somente os mais covardes pensariam em suicídio. Diria que é até mais longe que isso, elas são dignas de desprezo.

          — Você mais do que ninguém deveria saber que não. Seu desgraçado.

          Finalmente o ser no meio da sala se move. Este, então, abre um sorriso. Um enorme sorriso aparece em sua face ainda escurecida pela falta de iluminação direta.

          — Eu quero que alguém me ajude. Eu realmente necessito de ajuda.

          Finalmente respondo a pergunta final.

          — Então o que você deseja?

          As luzes a minha volta aumentaram com uma intensidade incrível. Diversas cores começaram a aparecer na sala. Em poucos segundos eu me senti dentro de algo muito similar a um caleidoscópio. Não... Não um caleidoscópio. É mais parecido com... Com um fractal.

          — Eu quero mudar.

          — Você quer mudar o mundo? Você mudaria as estruturas e as regras que compõem o nosso mundo apenas pela sua tentativa fútil de acabar com seu tédio?

          — Você de fato é um idiota, não? É óbvio que não. Sendo eu uma pessoa completamente desapegada a este mundo, nunca teria uma ideia tão retardada como desejar mudá-lo. Que se dane este mundo! Eu quero me mudar.

          — Então você não precisa de nada nem ninguém. Faça-o sozinho. É impossível eu conseguir te ajudar em um ponto como esse. Somente uma pessoa pode te mudar e obviamente essa pessoa é você mesmo.

          Olho, então, para os olhos daquele que sentava no meio da sala. A face que vejo é, talvez, a face mais familiar possível. Na minha frente está uma perfeita cópia de mim. Este sou eu, o meu reflexo que questiona a mim e as minhas escolhas.

          — Eu quero a coragem para mudar.

          — Hah! Você está dizendo que não é o mundo que necessita de mudanças, mas você mesmo? Realmente... Você é interessante. Não me importa! Você ganhou. Receba a coragem que tanto deseja!

          Então, o meu alter ego, minha cópia, começa a gargalhar e as luzes da "sala caleidoscópio" começam a girar entre si fazendo com que toda a realidade a minha volta comece a se destruir. Como flashes, diversas imagens aparecem aos meus olhos: Uma árvore com seus galhos a crescer, uma nuvem em formação, o nascimento de cadeias montanhosas, a cristalização de um floco de neve. Tudo passa pelos meus olhos com uma rapidez enorme, criando um caos de informações em minha mente.

          Eu então falo para o ser que já não estava mais em meu campo de visão:

          — Certo. — Abro um sorriso no meio de minha fala. — Mas se eu ainda estiver entediado quando voltar aqui vou te dar uma surra por ter me dado esperanças.

          A risada maliciosa já não podia ser ouvida mais. Na verdade, uma risada gentil e inocente aparece no lugar dela.

          — É uma aposta então? É melhor você se preparar. Quando você chegar aqui de novo eu vou te espancar só por não ter acreditado em mim.

          Então ele sorriu da mesma forma que eu sorrira na minha infância. Vejo então... O meu eu ideal.

          Foi nesse momento de paz que minha vida virou de cabeça para baixo. Foi nesse momento que vi. Vi tudo aquilo que nenhum ser humano deveria poder ver.

          Eu vi...

~

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