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A testa de Cora brilhava de suor. A menina estava encostada contra a parede do banheiro, massageando a coxa. Três dias após o incidente com o tanuki a maioria das lesões havia sumido, mas sua perna ainda ardia como se um pedaço de músculo estivesse faltando. Os analgésicos fornecidos em segredo por Mahira a ajudavam a suportar o treinamento sem despertar suspeitas. As companheiras só sabiam que Cora havia tido uma indisposição pelo cansaço, e ficara de cama por um dia inteiro. Somente Edith continuava olhando-a de esguelha, como se a qualquer momento a amiga pudesse cair morta no chão.

Cora, por sua vez, fazia o seu melhor para esconder a situação. Quando estava sentada, conseguia manter uma expressão bastante neutra, a dor tornando-se quase imperceptível, como um formigamento esquisito. Mas eram as escadas sua prova de fogo. Cada degrau era uma tortura, uma facada aguda que subia pela carne e ao longo da espinha. Ela mordia a parte interna da boca e continuava sorrindo e andando normalmente. Mas as coisas não estavam fáceis. Pelo menos Mahira tivera a decência de não ordenar nenhum treino físico até o momento.

A garota ruiva lavou o rosto e respirou fundo, preparando-se para retomar o papel. E apesar de sua encenação lhe causar extremo desconforto, tinha de admitir que nutria certo orgulho por sua façanha: numa casa repleta de kitsunes, ninguém aparentava ter percebido nada.

Quando saiu do banheiro, Edith a esperava com um amplo sorriso emoldurado por caninos brancos.

"Como você está?"

"Melhor que ontem...Você não devia estar lá embaixo almoçando?"

"Devia, mas precisava te contar uma coisa. Acho que entendi porque minha forma de raposa tem orelhas tão grandes..."

"Outra vez ouvindo a conversa dos outros?" Cora cruzou os braços fingindo um ar de reprovação.

"Ora, os sons chegam até meus ouvidos, que posso fazer? Não posso me impedir de escutá-los."

"Pobre Edith... O que descobriu? Algo sobre o tanuki?"

"Não. Mas achei que você gostaria de saber que seu guia está voltando" disse Edith com uma piscadela.

"Haru está vindo para cá?"

"Foi o que Sofia disse. Fergus acabou de sair para buscá-los."

"Buscá-los? Quem mais vem com ele?"

"Não sei, mas imagino que seja outra garota. Outra Yako recém-iniciada, como nós."

*****

O almoço foi uma refeição animada, Franchesca e Eloise falavam pelos cotovelos. Todas riam e se deliciavam com a fartura apresentada na mesa. Somente Cora permanecia silenciosa, o olhar fixo em algum ponto distante. A informação que recebera de Edith havia de certa forma mexido com ela. Haru estava voltando. E embora devesse sentir-se feliz com a notícia, sentia-se apenas inquieta.

Quando ele fora embora, ela era uma garota assustada, alguém cujo mundo havia sido virado de cabeça para baixo. Ela havia se mostrado totalmente vulnerável perto dele, confessando seus medos, suas incertezas. Mas agora... Agora Cora tinha amigas, tinha uma vida naquela mansão. Estava ficando forte, física e mentalmente. Havia se aceitado como kitsune. O que ele iria dizer quando a visse? Ou pior, o que ela iria pensar quando o visse? Antes, Haru era um guia, um guardião que sabia muito mais do que ela. Agora...seriam no mínimo iguais.

Sua agonia durou até algumas horas depois, enquanto praticavam mentiras umas com as outras na grande sala das almofadas. O barulho de pneus rodando sobre o cascalho invadiu a sala. Sofia levantou-se, espiou pela janela e disse, sorrindo:

"Parece que vocês vão receber outra companheira em breve. Esperem aqui enquanto recebo nossa nova hóspede."

A tutora saiu da sala, deixando as seis alunas perplexas para trás.

Dons de Inari - Parte IOnde as histórias ganham vida. Descobre agora