Capítulo 1

25.4K 1.5K 2.3K
                                    

Acordo com um sobressalto. Não sei dizer o que me acordou, se um barulho qualquer ou algum pesadelo, mas não importa. Um rápido vislumbre através da janela é o suficiente para me dar conta que a Lua Verde finalmente desponta no céu. É dia de festival. O dia que eu mais anseio no mês das luas primas.

Pulo da cama correndo, tenho pouco tempo para me arrumar antes que o primeiro sol nasça.

Rapidamente lavo meu rosto com a água da bacia ao lado da minha cama e passo a procurar por vestimentas de boa aparência, não que eu tenha muitas opções, mas ainda assim quero estar apresentável. O dia do Festival da Lua Verde é umas das raras ocasiões em que posso ver Lorde Kadrahan de perto.

Enquanto remexo no meu baú de roupas, paro por um instante relembrando a primeira vez que o vi. Para mim é como se fosse ontem, embora isso tenha sido há muitos ciclos de luas atrás...

Foi quando a velha Snotra permitiu que eu saísse do povoado pela primeira vez também. Ela me levou a Cidade da Corte na época do Festival da Lua Verde. Eu ainda estava muito assustada com tudo ao meu redor e não conseguia admirar a beleza do festival. Então eu o vi. E fiquei instantaneamente maravilhada com a beleza dele. Um lindo cavaleiro usando uma armadura prateada e túnica preta com detalhes azuis. Tinha olhos de um verde escuro profundo destacados por sua pele alva e por seus cabelos negros como uma rara noite sem lua. Ele estava a frente de um cortejo e cavalgava um cavalo também negro, mas a crina do belo animal era dourada como fios de ouro. Em nenhum momento nossos olhares se cruzaram, mas fui fascinada por ele de forma incompreensível e irremediável.

Snotra ao perceber que algo, ou melhor, alguém, finalmente me despertava do mundo isolado em que minha mente vivia, falou alguma coisa, mas naquela época eu ainda era incapaz de compreender suas palavras. Com o passar do tempo, as palavras das pessoas começaram a fazer sentido para mim, mas nunca fui capaz de lembrar o que a velha Snotra havia me dito e tão pouco ela me responde quando eu pergunto a respeito.

Algum tempo depois descobri que aquele era Lorde Kadrahan, Capitão da Guarda Real e General do Exército do Rei em tempos de guerra. Ele é conhecido em todo o reino por sua coragem e lealdade ao Rei. Seus inimigos o temem por sua ferocidade, destemor e por ser implacável nos campos de batalha. Entretanto, também é admirado pelo povo por sua generosidade e seu enorme senso de justiça.

Lorde Kadrahan é o melhor amigo de Nars, o Príncipe Herdeiro e o Rei Tratus o considera como seu próprio filho, tanto que concedeu a ele com grande alegria a mão de sua filha, a Princesa Myris. O noivado foi comemorado por todo o reino e o casamento não irá demorar a acontecer.

Lembrar da Princesa Myris me faz voltar de minhas recordações. Eu posso sonhar livremente com Lorde Kadrahan, mas sei que na realidade ele pertence a ela. E eu nem posso me dar luxo de não gostar dela. A família Real é muito querida por todo o reino. Todos eles são conhecidos por sua bondade e por buscarem sempre fazer o melhor por seu povo, mas sem dúvidas nenhuma, a Princesa Myris é a mais amada entre os plebeus, pois vive visitando os povoados mais distantes em todo o reino. Sempre levando alimentos, roupas e remédios para os mais necessitados. Entretanto, quando preciso, ela também ajuda com as próprias mãos, cozinhando, costurando e cuidando dos doentes. As crianças a idolatram também. E mesmo que ela tivesse um caráter horrível, ainda assim eu nunca chegaria aos pés da Princesa, pois com seu cabelo loiro platinado e belos olhos azuis, é dona de uma beleza pura e inigualável.

Suspiro e volto a minha atenção para o meu baú e só então me dou conta que nenhuma das minhas melhores vestimentas está nele. Por todas as luas, onde elas foram parar?

- O que ainda está fazendo parada aí, Aédris? -berra Snotra abrindo a porta com um estrondo. - Por que ainda não está pronta?

Levo um susto tão grande, que deixo a tampa do baú se fechar sobre meus dedos da mão direita.

- Ficou maluca, velha? Quer me matar do coração? -grito de volta enquanto sacudo os dedos em uma tentativa inútil de aliviar a dor. - Devo ter quebrado os dedos por sua culpa!

- Se não quebrou eles em uma das muitas vezes que bateu na cara de alguém, não vai ser uma inocente tampa de madeira que irá quebrá-los!

Ignorando o comentário, pergunto:

- Velha, onde estão minhas roupas?

- Em sua trouxa que já está na égua! A única coisa lá que está faltando é você!

- O quê?

- Nem pense que vou permitir que você não volte ao Centro de Aprendizagem!

Demora uns segundos, mas finalmente me lembro. O primeiro dia da Lua Verde também marca a data de retorno às aulas.

- Zarmey! Zarmey! Zarmey!

- E já falei para parar de dizer palavrões! Você pode não se comportar e nem se vestir como uma dama, mas esse tipo de palavra é intolerável até mesmo para garotos!

- Khrratz!!!! -continuo xingando enquanto visto minha calça de couro marrom mais velha, minha camisa que há muito não é mais branca e minhas botas gastas.

- Ainda vou lavar essa sua boca suja com baba de volun!

- Eca!!! -agora ela apelou.

- O primeiro sol já vai nascer! Com sorte você chegará ao Centro de Aprendizado antes que o segundo nasça!

Contrariada, deixo a velha Snotra falando sozinha e saio em direção à porta de casa decidida a partir sem me despedir.

Minha égua Rius já está amarrada à varanda, está selada e minha trouxa nela. Dentro dela há pão de sadewa, meu preferido, água e suco de lezus, minha fruta preferida também.

Um nó se forma em minha garganta. A velha Snotra pode estar me obrigando a estudar contra a minha vontade, mas ela se importa comigo. E eu ficarei muitas luas sem vê-la até o fim de mais um período de estudos no Centro de Aprendizagem.

Dou meia volta e lá está ela, bem atrás de mim com a cara amarrada. Fico apenas olhando para ela por um tempo. Ela é mais baixa do que eu, é magra, porém seu corpo é esguio e forte apesar da idade avançada. A única coisa que denuncia seus mais de 700 ciclos de luas, são seus longos cabelos brancos e algumas rugas em seu rosto, poucas na verdade se considerando sua idade. Entretanto o que eu mais gosto em seu rosto, são seus olhos azuis que expressam uma bondade sem fim, mesmo quando ela tenta parecer dura e severa.

Sem pensar duas vezes, a abraço forte e ela retribui o abraço com carinho. Alguns minutos depois subo em minha égua e já estou me preparando para partir, quando ela diz:

- Prometa que irá se comportar! Por muito pouco você não foi expulsa do Centro de Aprendizagem no período passado!

- Você sabe que não faço promessas que não posso cumprir, velha! -grito já incitando Rius a correr.

E assim sigo rumo a Cidade da Corte.

********************************************************************************************


Oie, espero que tenham gostado do primeiro capítulo ^_^! Se gostaram, não esqueçam de votar! Cada estrelinha é muito preciosa para incentivar um autor a continuar a escrevendo *-*




Arco-Íris de LuasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora