E meu corpo estremece. O fogo ao meu redor aumenta. Lágrimas deslizam pelo meu rosto.

E então o jovem se abaixa, parecendo não se importar com as chamas ao meu redor, tira seus óculos escuros, e nesse momento algo me chama a atenção: seus olhos eram incrivelmente violetas, assim como os meus.

Akira Yamaguchi

Quando Mederi me disse que a garota era quente, eu não pensei que podia ser literalmente.

Entro a passos largos na sala, com um gingado forçado, pronto para usar de todo o meu charme para tê–la em meu domínio. Tiro meus óculos escuros e me abaixo, olhando o chão ao redor dela, onde há resquícios de chamas se esvaindo, marcando um círculo escuro.

E escuto a voz na minha cabeça.

— Ei! Tudo bem por aqui! Nenhum maluco à vista. — Sorrio zombeteiramente para ela, tentando passar um pouco de segurança.

Ela está assustada. Encolhida em um canto, tomando posição de defesa e com fumaça exalando das mãos. Mas mesmo ali, aterrorizada pelo desconhecido, ela tem uma postura delicada. Os grandes cabelos negros caem em trança até a altura da cintura. Seu rosto é o que mais me chama a atenção: os traços finos e com jeito imperial dão a ela um ar de soberania e calma. E há os olhos. Olhos violeta, da cor das mais exóticas tulipas, repetem o que eu acreditava ser uma individualidade.

— Akira. — digo estendendo a mão para ela, que se limita a me olhar. — Eu não vou te fazer mal.

Ela não move nenhum músculo voluntário; apenas segue me olhando da posição em que está.

Me levanto e sento na cama.

"Sério, não vou te fazer mal mesmo".

Os olhos dela se arregalam, assustados. É sempre assim na primeira vez que falo na cabeça de alguém.

Ela começa a gaguejar e balbuciar umas palavras.

— C-como…

— Primeiro, seu nome — Estendo a mão para ela que, apesar de receosa, aceita meu gesto.

— Aisha — ela diz, por fim. Selo um beijo no nó dos seus dedos magros e a ajudo a se levantar. Ela se senta na cama ao meu lado, ainda muito insegura e com o corpo todo estressado, pronta para fugir ao mínimo sinal de perigo.

— O que fizeram ao meu pai? — Não sei o que me impressiona mais: sua voz ou a pergunta que ela me dispara.

Não tenho resposta quanto a isso, o que me deixa perturbado por um instante, mas logo recupero a linha de raciocínio.

— Eu posso descobrir, mas agora eu não sei. — digo, baixando os olhos em um pedido de desculpas anônimo. — Podemos tentar descobrir. O que acha?

A fumaça de seus dedos se esvai. Todo o corpo dela treme de medo e novamente escuto a voz dela na minha cabeça.

"Ele não é um velho maluco, mas nada impede que me faça mal também ".

— Por que toda essa preocupação com alguém te fazer mal? — pergunto, curioso. — Alguém te machucou?

E ela relata toda a história de como estava indo conseguir algo para alimentar o pai enfermo, quando foi parada em um beco. E o que viu quando chegou em sua casa. A dor nas palavras dela faz uma angústia imensa transbordar de dentro de entranhas que eu nem sabia que tinha.

Olho nos olhos dela e vejo que ela está muito desorientada.

— Onde eu estou, Akira? — Eu também não tenho a resposta exata. Então, de todas as respostas, eu escolho a pior. A verdade.

— Eu não sei, na verdade. — falo, jogando um sorriso solto entre os lábios. — Depois que eu aceitei entrar nesse jogo e embarquei no helicóptero, uma mulher chamada Mederi me dopou com clorofórmio e fiquei desacordado a maior parte da viagem, o que me acarretou uma dor de cabeça enorme pelo tempo em que fiquei desorientado. Você acha que eu ia estar usando óculos escuros dentro de um prédio fechado apenas por estilo?

Ela dá uma leve risada, o que começa a me deixar um pouco mais tranquilo.

— E por que você não está preso como eu?

— Em nenhum momento me colocaram numa cela como essa. Acordei num jato em pouso e Mederi me trouxe para esse prédio. Ela me deixou em um hall com uma equipe de pessoas estritamente armadas, que me conduziram para o andar abaixo desse. — digo pra ela, que me observa com olhar desconfiado. — Um quarto grande com boa comida. Um banheiro só meu. Mas igualmente preso.

— E o que nós estamos fazendo aqui? — sempre me esqueço como pessoas tão novas são tão questionadoras. Isso sempre me irritou nos adolescentes.

— Isso é exatamente o que vamos descobrir mais pra frente. Só sei que pediram minha ajuda, então, enquanto eles encherem meus bolsos de dinheiro e minha barriga de comida, tudo estará bem.

A confusão se instala nos olhos dela. Pego sua mão para que saiba que ajudarei no que puder.

— Eles só querem a nossa ajuda com algum problema. — digo olhando nos olhos dela, acalmando–a. — Não nos farão mal. É impossível fazer mal a criaturas com olhos tão lindos.

Ela me abraça e, finalmente, consigo sentir a sensação de alívio emanando dela.

"Consegui", penso orgulhoso.

Levanto–me e vou até a porta. Olho para ela, ainda sentada, e faço um movimento com a cabeça para o lado de fora. Ela se levanta e agarra meu braço, contrastando o linho branco do meu paletó com aquele uniforme marrom escuro. Saio andando com ela em direção ao elevador.

— Aonde você vai me levar? — ela pergunta. — Eles vão nos pegar.

Vamos andando pelo longo corredor escuro com a mesma cor das paredes da cela de Aisha.

— Ninguém me disse que era para ficarmos presos. Na verdade, também não disseram para eu te soltar, mas, se o que me disseram é verdade, eles precisam de nós, e não o contrário. Não vou ser o peixinho deles e ficar preso no aquário. — Entro no elevador com ela pendurada em meu braço. Ela encosta a cabeça no meu ombro e agradece silenciosamente a alguma divindade que eu não conheço, e adiciono a sua oração o fato de não ter cruzado com nenhum dos guardas que infestam esses corredores, enquanto o elevador desce os andares do prédio. — Vamos ver o sol se pôr.

InfectedWhere stories live. Discover now