Ok, não somos tão incríveis assim

2.8K 245 46
                                    

Estou sempre incomodado com muita coisa. É mais ou menos assim, de vez em quando fico absurdamente irritado com a internet, como se fosse um turbilhão de vozes falando ao mesmo tempo, falando não, gritando, guinchando e se debatendo. Uma coisa primitiva. E geralmente eu escuto tudo, eu leio tudo e absorvo tudo - não tenho aquele botão que você liga quando não dá a mínima. Eu leio as coisas boas e os discursos de ódio, eu absorvo tudo e eu guardo tudo. Acho que sou o pior tipo de pessoa com a qual brigar, porque mesmo se eu não te responder nada, eu vou guardar cada insulto e carregar ele mentalmente, eu vou passar e repassar cada situação horrível e vou saber cada palavra. Imagine uma super antena que pega até briga de vizinhos na Tailândia - isso é meu cérebro. Logo, eu costumo dizer que odeio lugares lotados, gente como um todo e coisas do tipo, mas geralmente é porque eu estou ouvindo tudo e não tenho muito a habilidade de "abstrair".

Viver no nosso mundo atual é uma coisa difícil, todo mundo falando, mas ninguém conversando. Todo mundo gritando e ninguém está ouvindo. É como se odiar, xingar palavrão, ofender, brigar e pagar de agressivo fosse o novo "ter atitude". Como se regredir fosse o novo avançar.Ontem eu estava lendo coisas pelo Facebook e não vi um post sem alguma ofensa, xingamento ou raiva. Isso me faz pensar: Talvez, apenas talvez, a nossa geração não seja tão maravilhosa quanto acha que é, tão compreensiva quanto pensa que é, nem tão forte ou inteligente. Tenho visto extremos, gente que se acha acima de tudo e todos, pregam "mais amor, por favor", compartilham vídeos de Bob Marley e frases de "O Pequeno Príncipe", mas na primeira opinião contrária se voltam para a raiva e pra xingamentos, então se forma um aglomerado de pessoas iguais e todo mundo começa a xingar. Uma crítica literária logo se torna uma briga política, o eu não gostar de uma banda se torna ofensa para o outro e um não-concordar gera brigas maiores do que as de Aquiles.

Temos visto pessoas que se ofendem sem saber o motivo de estarem ofendidas. Pessoas que ofendem sem saber o motivo de estarem ofendidas. Pessoas mimadas que cresceram acreditando que era o centro do mundo, mas que quando se enxergam na borda do mesmo se voltam para uma apatia mórbida ou pro ódio primal e sem capacidade de pensamento. É como Bret Easton Ellis disse numa entrevista para a Vice: "É muito difícil para eles [nossa geração] aceitar críticas, e por causa disso muito conteúdo produzido é meio bosta. E quando alguém é criticado por seu conteúdo, eles parecem entrar em colapso, ou a pessoa que critica é chamada de hater, contrário, troll. No fim das contas é culpa da geração que os criou, que os encheu de elogios - quatro estrelas por aparecer, sabe? Mas, eventualmente todo mundo tem que chegar no lado escuro da vida; alguém não gosta de você, alguém não gosta do seu trabalho, alguém não te ama de volta, pessoas morrem. O que temos é uma geração super confiante e super positiva com relação as coisas, mas quando a menor sugestão de escuridão entra em suas vidas, eles paralisam".

Eu vejo todo mundo dizendo que somos uma geração mais adiantada do que aquelas de nossos pais e antepassados. Que temos a habilidade de multi-task e que conseguimos fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas eu vejo todo mundo fazendo muita coisa e não fazendo nenhuma delas direito porque não consegue se concentrar. Por exemplo, ontem eu tive que dar uma aula - aluno de Letras aqui - e tinha um aluno mexendo no celular e com fone no ouvido enquanto eu falava, por causa de futebol. Só estavam dois alunos presentes naquela aula, esse cara, de uns dezoito ou dezenove anos, estuda Engenharia, mas não acha que seja importante prestar atenção numa aula pela qual ele paga muito caro numa escola particular, porque: "Eu consigo fazer as duas coisas ao mesmo tempo". Dois minutos depois ele estava me perguntando algo que eu já havia falado vinte minutos antes. Outro exemplo foi num show da Fresno que fui em BH, uma pessoa passou o show inteiro gravando o evento com uma câmera e apenas no final notou que havia um baixista na banda - a banda não conta com baixista desde a saída do Tavares, que formou o Esteban. Todo mundo quer registrar momentos, mas participar deles não tem tanta graça.

Outro dia, fazendo algo pra faculdade, nos trabalhamos com adolescentes entre 16 e 17 anos de idade, usamos um texto de uma página. Resultado, quase em uníssono eles disseram que era longo demais e com palavras que eles não conheciam, palavras como: Transeunte, vagar e ascensão. É uma geração egocêntrica e que se nem se importa de não saber coisas, que acha mais fácil trocar as palavras de um texto por uma mais fácil do que procurar num dicionário. Pessoas que acham mais fácil pedir um texto mais curto ou ler apenas a chamada, do que mergulhar numa única página por dois minutos e tentar extrair um sentido dali. Então, eu fico meio desolado com isso tudo, porque temos um milhão de eletrodomésticos, carros, comidas industrializadas, internet, redes sociais e canais de televisão, mas ao mesmo tempo nosso universo interior tem se tornado cada vez menor e mais vazio, tomado por mentalidades de colmeia que empurram todas as vozes e opiniões para campos pasteurizados. É como se fôssemos uma banda indie que passasse nas mãos de algum produtor picareta e começasse a soar como qualquer outra banda mainstream.

Eu tenho me tornado triplamente intolerante com o Facebook, por exemplo. Uma promessa de mais conexão, mas que serve apenas para alimentar nossa necessidade por atenção, por likes, por conforto do ego. Aquele espaço virtual onde todo mundo está gritando para ver quem grita mais alto, o lugar onde vemos as pessoas mostrando seus piores lados, deixando traços de civilidade para trás em troca de atenção virtual. Onde todo mundo tenta parecer alegre, feliz e perfeito, criando uma cadeia onde todo mundo é miserável, mas fica se comparando com o coleguinha do lado: Nossa, olha o tanto que aquela pessoa está feliz ou todos os meus amigos de escola, de faculdade, se tornaram algo na vida e eu não sou nada. Os pequenos sofrimentos de uma vida on-line, onde todo mundo se esconde por trás de uma tela e se sente com todos os poderes do mundo.

Eu tenho esperança de que as coisas podem mudar, mas também não espero nada com muito afinco. Estamos num período confuso, onde todos os nossos avanços tecnológicos não ajudaram a trazer mais paz de espírito, mas trouxeram para fora as piores coisas guardadas. 


Palavras aleatórias - Dicas de escrita e inspiração para jovens autoresOnde as histórias ganham vida. Descobre agora