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Apesar da Waliyha já nos ter assegurado imensas vezes que estava bem e que nós nos tínhamos de ir embora, nós continuávamos lá e preocupados. Ela recontava vezes e vezes sem conta que o irmão estava a tentar mantê-la em segurança, que não havia problema nenhum.

"Vocês estão malucos! Ele nunca faria nada para me prejudicar. Ele é o meu irmão." Ela disse, já numa voz frustrada, enquanto arranjava o seu cabelo num rabo de cavalo. "Não tenho internet nem televisão, mas não consideraria isso uma tortura. Não uma muito má, pelo menos." Ela afirmou, as costas dela viradas obstinadamente para nós.

Arrependi-me momentaneamente de sequer ter seguido o Zayn. Por muito rude e idiota que ele pudesse ser, não era exatamente um criminoso. Ao menos, não era nada que eu pudesse provar.

O Louis já ia partir para perguntas mais específicas, mas eu agarrei-lhe o ombro. Ele percebeu a minha expressão -um misto de pena e arrependimento- e calou-se.

Ainda considerei uma saída rápida e invisível mas decidi não o fazer, já que tínhamos furado um buraco do tamanho de um punho na porta. Saiu dos meus lábios um "Ainda bem." parcialmente atordoado e envergonhado, embora o arrependimento já me estivesse a passar.

Como reação a ouvir uma voz que pareceu tão calma, a cabeça da Waliyha deu uma volta de 180 graus. "O que é que vocês estão aqui a fazer, afinal?"

O Louis mexeu-se desconfortavelmente, provocando uma perturbação no colchão da cama onde estávamos sentados. A luz entrava pela janela escancarada mas não chegava a embater no quarto pequeno atrás do armário. A escuridão permitia-nos esconder o nosso espanto e nervosismo. Nenhum de nós tinha sequer pensado numa desculpa digna. O silêncio tornou-se constrangedor, para dizer o mínimo.

"Então...?" A voz dela soou de novo. Desta vez tinha um caráter mais intenso, ameaçador até. Senti a tensão, mas a minha mente estava caiada de branco. Eu não conseguia formar nenhuma mentira; na verdade, eu nem conseguiria formar uma frase correta sem tropeçar nas palavras.

"Nós pensávamos que estavas em perigo." As palavras saíram embrulhadas numa tentativa falhada de uma justificação. E que elaborada justificação, wow!

"Porque raio é que sequer pensariam isso? Vocês estão malucos, só pode." Ela rapidamente pegou no seu telemóvel, inserindo algo. "Eu vou ligar ao meu irmão."

Não havia nada que pudéssemos fazer, uma vez que a voz dela soava irrevogável e um tom de autoridade nervosa tomara o lugar do calmo de antes. Conseguia sentir o meu peito a subir e descer pesadamente, contava cada palpitação que chegava ao meu pescoço, enquanto a minha mente se encontrava aérea como se estivesse presa em pensamentos superficiais e absurdos, tendo em conta a nossa situação atual.

Era como estar a olhar de fora para mim... Era pânico. O Louis olhava para mim, em câmara lenta, olhos esbugalhados e desfasados da realidade. Acho que ele também não sabia o que fazer.

"Não é o que estás a pensar." Eu disse. A calma instalava-se de novo no meu corpo e eu tentava relaxar o máximo possível, espetando as minhas unhas profundamente no meu antebraço. "Nós estávamos a visitar um amigo" Nesta altura, eu já estava simplesmente a inventar algo em cima do joelho. - "...no sexto andar. O... Louis estava a gozar ao clicar nos botões do elevador e então acabamos por parar aqui." Ela tornou a concentrar-se em mim e finalmente desligou a chamada que tentava fazer. Sorri como se estivesse a dizer a coisa mais verdadeira que algumas vez tinha dito. "Foi uma estupidez na verdade." Ri. "As portas do elevador abriram e eu cliquei finalmente no botão para o rés do chão só que ele"- apontei para o Louis, divertidamente.- "disse que ouviu um barulho."

O Louis tornou a falar; com um bem estar que nem era surpreendente. O Louis era mesmo muito bom a mentir. "E ouvi mesmo. Era uma espécie qualquer de guincho alto. Pensei que fosse algo importante e, como vinha deste lado, decidi ver."

"Desculpa foi parvo." Dei umas gargalhadas e encolhi os ombros. "Quando olhamos pela fechadura e vimos o quarto revirado, acreditamos mesmo que algo se passava. Foi um desentendimento." Dei um saltinho, pondo-me em pé.

Despedimo-nos dela à pressa, já quase fora da porta, já quase a correr pelo corredor até ás escadas, agradecendo aos deuses o facto de ela ter preferido ficar no quarto a acompanhar-nos à porta. Despachadas as explicações esfarrapadas, como se estivéssemos a pagar à hora, descemos os 4 lances de escadas para dar uso à quantidade desnecessária de adrenalina que corria nas nossas veias biologicamente (e magicamente, em parte) modificadas. Talvez se não tivéssemos gasto essa hormona teríamos passado a viagem de carro até casa do Louis completamente irrequietos e a reclamar um com o outro; assim, pelo contrário, a viagem foi silenciosa. Parecia até uma imagem parada no tempo.

Ao menos isso.

Acho que ambos sabíamos que tínhamos acabado de estragar tudo, até porque aquilo podia ser visto como uma insinuação ao olhos do Zayn e não o podíamos culpar, na verdade. Que merda.

Queria sentir pena da Waliyha, porque tinha a certeza de que os poderes dela se estavam a revelar (se bem me lembro, ela tinha uns 16 anos, altura pela qual os nossos dons começam a amadurecer) e porque teria o Zayn, logo ele, como seu mentor; mas não conseguia. Logo ela seria, assim como todos os dotados da luz, envolvida no narcisismo de acreditar que eles são todos puros e brilhantes e necessários, nascidos de tudo o que é harmonioso e bom; nós as completas aberrações, fruto da inevitabilidade da criação de equilíbrio na Natureza.

Entramos em casa finalmente. As chaves do Louis tilintaram ao entrar em contacto com a mesa de vidro da sala e em milésimos de segundo, uma Johanna zangada entrou de rompante. Ela não disse nada. Penso que olhou para nós e viu, como sempre, mais.

"Eu vou, hm, deixar-vos sozinhos." Acabou por afirmar, em tom de decisão final. Não nos passou pela cabeça sequer contrariar.

Ela desapareceu para um dos muitos (demasiados) quartos de hóspedes, provavelmente para o quarto que usava como lavandaria.

"Então... " O Louis começou. A conversa duraria perto de duas horas, ideias e arrependimentos atirados para a frente e para trás, praguejando aos deuses porque as coisas nos corriam mal, porém a eles não. Queríamos parar. Obviamente já era tarde demais para tal.

Não era preciso mitigar a realidade, comigo e com o Louis. Estarmos lixados não era o pior, o facto era que não sabíamos de que nível de "lixados" é que estávamos a falar.

Olhei para o Louis, num certo momento, nos olhos, e vi naquele furacão de ideias e confusão, que ele só precisava de descansar. Como eu. Subimos para os quartos separadamente. Deitei-me no meu antigo, e por muito nostálgico que potencialmente fosse, naquele momento ele tinha uma cama e era disso que eu queria saber, uma vez que não tinha uma noite completa de sono há uns dias.

Sentia medo. Mas estava a tentar ser o mais neutra possível, fui ensinada a sê-lo. Acho que instintivamente não queria... iludir-me. Não sou forte, não sou esperta, não sou emocionalmente equilibrada, não sou boa. Não sou nada comparada com o que o Zayn se pode tornar quando achar que tem de defender o que é seu. Não o poderia condenar. O Universo sabe que eu tornar-me-ia exatamente no mesmo que ele é. Se fosse preciso, eu seria um monstro.

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Notas:

Eu juro que estou a tentar postar mas, a sério, não é fácil. De qualquer das formas, já comecei a escrever o capítulo seguinte e eu sei que vão gostar!! Por isso, sofram comigo por um pouco e vão ser recompensados.

ana, aka mythologicx

swan || z.m.Onde histórias criam vida. Descubra agora