Capítulo 1

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Nina Novaes.

Não era como se eu pudesse reclamar da minha vida, porque eu realmente não podia. Tinha recém me formado em medicina numa das melhores faculdades federais de São Paulo e estava me preparando para começar uma especialização em pediatria no próximo semestre. Era o sonho de muita gente e o meu estava começando a se realizar: daqui a três dias estaria trabalhando no hospital como residente. Era muito louco imaginar que o que parecia uma meta muito distante à sete anos atrás, quando ainda prestava o vestibular, estava finalmente se concretizando.

Não conseguia pensar ou falar em outra coisa que não fosse meu novo emprego, por isso meus amigos estavam me evitando um pouco esses dias. Eu não podia deixar de aceitar: estava sendo mesmo bem chata e repetitiva, mas não é como se eu pudesse evitar estar assim, eu apenas estava feliz demais.

Acordo na sexta-feira às 10h40 (não me julguem, estou apenas aproveitando meus últimos dias de férias depois de seis anos de estudo) com minha mãe me ligando. Por que mães são sempre tão protetoras? Moro sozinha há pouco mais de dois anos e ela continua me ligando quase todos os dias.

─ Oi mãe ─ atendo sonolenta.

─ Filha, nosso almoço está de pé ainda? ─ Bom dia pra você também, mãe!

─ Almoço? Que almoço?

─ Eu sabia que você ia se esquecer, por isso te liguei. Pela voz de sono te acordei também.

─ Sim, o que não é novidade ─ reviro os olhos. ─ Vou me arrumar e meio-dia passo pra te buscar, ok?

─ É exatamente o que tínhamos combinado ontem à noite, filha.

─ Você sabe que eu sou meio sonâmbula às vezes...

─ Nem me lembre disso. Até hoje me lembro do dia que te peguei no portão de casa indo comprar pão às quatro da manhã!

─ Você sempre me salvando ─ respondi rindo. ─ Vou desligar pra me arrumar. Beijos.

─ Um beijo, querida.

Desligo o telefone ainda rindo. Esses meus ataques de sonambulismo eram muito comuns quando eu estava muito cansada ou preocupada. Raramente eu levantava, como minha mãe comentou, mas falava e resmungava muito deitada. Bom, era mais uma das coisas que meu marido, até então inexistente, teria que aguentar em mim.

Me levanto e vou diretamente para o banho, pois com dona Suzana nunca podíamos nos atrasar sequer cinco minutinhos. Saio enrolada na toalha para me maquiar e arrumar o cabelo na minha penteadeira. Depois disso, escolho uma blusa de manga comprida qualquer com um short jeans e botinhas. Estávamos no outono, naquela época chata em que nunca sabemos direito o que vestir. Mais algumas coisinhas e logo já estava dentro do meu carro indo buscar minha mãe para irmos sabe-se lá Deus onde.

Buzino em frente à minha antiga casa e em menos de dez segundos, dona Suzana aparece na porta acenando como uma louca.

─ Até que enfim você foi pontual, Nina.

─ Oi mãe, também morri de saudades suas ─ falo, beijando-a na bochecha. ─ Para onde vamos?

─ Você sugeriu japonês ontem. Realmente não se lembra da nossa ligação?

─ Totalmente sonâmbula!

(...)

─ Não há a mínima possibilidade de você não ir com a gente, Nina! É sua última sexta à noite de férias, precisamos aproveitar. Se arruma que em uma hora passo pra buscar você e o Celo. Beijo, te amo.

Anjo (COMPLETO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora