Capitulo 1

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And then you smiled for a second

• The Cure - Plainsong  


ANGEL

Eu olhava para as ruas através da janela, minha mãe dirigia o carro. O silêncio, estabelecido desde que saídos de Londres, foi rompido:

— Ainda está com raiva de mim?

Não respondi. Apenas me deixei levar pela vida agitada de Big Green, a cidade natal do meu avô na Inglaterra. A poluição, os longos casacos de lã, as ruas pavimentadas por prédios na sua construção clássica tão padronizada...

— Sei que está brava de ter que passar as férias de verão aqui. — Marina parou em um sinal vermelho. — Mas isso vai te fazer bem.

Olhei para ela, seus cabelos negros presos em um rabo-de-cavalo metódico, seu rosto angelical e olhos cansados.

— Você realmente acha que me enviar para a casa de alguém que eu desprezo vai me fazer bem?

— Você não o despreza. Ele é o seu pai.

— Não. Ele é só o doador de esperma que manda o cheque todo mês e pensa que isso é ser pai.

Um cara esquisito no veículo ao lado me olhava de forma insinuante. Ergui uma sobrancelha e ele sorriu. Sorri de volta, e quando levantei o dedo do meio, seu sorriso instantaneamente morreu.

— O que está fazendo? — A minha mãe abaixou o meu braço. Em seguida, meio mortificada, arrancou. — Não dá para tentar ser um pouquinho simpática?

Não demoramos muito para entrar em Coates, bairro sofisticado cujas ruas eram enfeitadas por casinhas geminadas e árvores centenárias. Marina estacionou na casa de porta azul, tirando a chave da ignição.

— Vamos lá? Pegue suas coisas.

Não me mexi.

— Angel?

— Não acredito que está fazendo isso comigo — sussurrei.

— Eu estou fazendo o que acho melhor. Você precisa desse tempo longe de casa, sabe disso. O que aconteceu...

— O que aconteceu já aconteceu. Não importa agora.

— Importa, sim. Te abalou muito, mesmo que não admita. Agora desça do carro, por favor.

E tratou de avançar primeiro. Não me restou mais nada a não ser fazer o mesmo. Subimos as escadinhas e ela tomou a iniciativa de tocar a campainha.

A porta abriu, revelando um cara alto usando calça social e uma camisa branca de botões. O rosto, decorado por barba rala, ganhou marcas do tempo. Lá estavam os olhos escuros idênticos aos meus...

— Ei! — Robert Levi sorriu largamente.

Enquanto ele cumprimentava a ex esposa com toda a altura elevada, ombros largos, elegância típica dele, raiva tomou meu corpo. Como uma pessoa poderia ter traços tão familiares e ainda parecer um completo estranho?

Quando olhou para mim, havia a hesitação óbvia lá.

— Tudo bem, Angel?

Marina riu constrangida do meu silêncio.

— Ela está ótima. Não é, querida?

— Ah, sim — soprei, sem expressão. — Ótima.

— Como foi de viagem?

1994 - A canção Memória oculta LIVRO 1 (Privilegiados)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora