• III • Estilhaços

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Existem poucas coisas que tornam os humanos e as criaturas semelhantes, uma delas é a hierarquia, em segundo lugar, o gosto pela música, em terceiro, a obsessão pela lua. Os poetas escrevem sobre isso, como a luz prateada reina o amor... Foi por isso que Lua escolheu esse nome para si mesma.

Luana, ou melhor, Lua, escolheu esse nome com intenção, foi escolhida com entusiasmo, isso a tornou ela mesma. O que mais diferencia a sociedade das criaturas da sociedade humana é o contraste da nuance do preconceito. Luana é Luana há mais de vinte anos e nunca uma criatura a provocou por ser transgênero, enquanto a raça humana tornou a vida cotidiana uma batalha que você nunca sabe se vai vencer... Por outro lado, as criaturas principalmente têm problemas com ela por ser uma bruxa, então há isso também.

De qualquer forma, ela aprendeu a viver nos dois mundos, bruxa de um lado, bibliotecária do outro, com quase quarenta anos e prosperando por isso. Na sociedade humana, uma mulher como ela mal passa dos 30, na sociedade das criaturas, chegar aos 50 é uma conquista, então ela está indo muito bem.

Ou estava, até sábado de manhã, quando ela tinha a biblioteca só para si. Vendo que uma livraria antiga de dois andares não era muito atraente no fim de semana, ela finalmente pôde sentar-se e apreciar a sorte que tinha por ter aquele emprego, tomando chá e lendo algo para variar... E a mudança chegou bem pela porta, alta, toda de preto, parecendo tão estúpida como sempre.

Mas quando ela ergueu os olhos para encontrar o olhar dele, ele estava se aproximando, sério, o ar ao seu redor parecia ficar mais denso a cada segundo que passava. Ela conhece Ramiro desde... sempre, eles sempre foram bons amigos, ela lhe fez alguns favores e ele nunca deixou de retribuí-los, mas naquele momento, algo estava acontecendo.

— Você está diferente. — foi sua escolha de saudação, observando minuciosamente enquanto ele se sentava na cadeira à sua frente, o cheiro de páginas velhas e chá de menta era apenas um bom lembrete de que ambos eram tudo menos pessoas normais. — Mais estranho do que o normal.

— Bom dia para você também, La Lune. — ele sorriu com seu melhor sotaque francês, tentando ao máximo não revelar o assunto delicado que o trouxera até ali. — Você está linda...

— Eu estou sempre muito bonita, agora... o que há de errado? — estava nos olhos, ela tinha certeza disso.

Talvez algo que não estava lá, naquele tom avelã quase avermelhado de seus olhos, parecia que havia outro par de olhos em vez daqueles a que ela estava acostumada, era claramente diferente e definitivamente grande, ela só não conseguia identificar o que estava faltando.

— Nada de errado, na verdade. — Ele era o príncipe das trevas por um motivo, certo? — Só vim ver você, belle.

— Vai se ferrar, você não viria a esta hora em um sábado ensolarado para me matar de tédio com sua terrível habilidade de flertar com mulheres. — Em todos os seus encontros, Ramiro tenta fazê-la rir com isso, e todas as vezes ele falha. - Você parece mais idiota do que o normal, o que aconteceu?

Merda.

Durante todos esses poucos minutos de conversa, Luana o leu e releu várias vezes, e era óbvio que ela não estava chegando a lugar nenhum. Agora, ela entendia o porquê.

Não era algo faltando em seu olhar, era algo mais.

Seu olhar tinha um novo tom, muito dourado, e bem, ela quer dizer literalmente, havia um tom dourado em seus olhos que não estava lá antes, ela não tinha visto um pedacinho de sol em seu olhar da última vez que o viu e, portanto, só havia uma resposta possível.

— Aconteceu, não é? — ela perguntou de repente, tão séria, tão... sem humor sobre isso, sem jogar o cabelo para trás, sem tomar um gole de chá, sem sorrir, mesmo que fosse um sorriso fraco, ela perguntou tão diretamente que ele nem conseguiu mentir. — Você se apaixonou.

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