O sol já entrava pela fresta da janela quando me levantei naquela manhã. O calor do Rio fazia o quarto parecer ainda menor, abafado, como se o ar não circulasse direito. A noite não tinha sido das melhores — não porque eu não estava cansada, mas porque minha mente não parava. O corpo ainda carregava os resquícios do que tinha acontecido entre mim e Falcão, a sensação dele grudada na minha pele, como se ainda estivesse dentro de mim.
Tomei banho demoradamente, tentando tirar aquela sensação do corpo, mas ela vinha de dentro. Não era algo que a água quente levava embora. Depois de me secar, vesti um vestido solto e florido, leve o suficiente para aliviar o calor. Prendi o cabelo de qualquer jeito, evitando me olhar no espelho por tempo demais. Eu sabia que se fizesse isso, lembraria dos olhos dele me devorando na noite anterior.
O cheiro de café e pão fresco vinha da cozinha, trazendo um pouco de normalidade àquela manhã. Desci as escadas devagar, sentindo o piso frio contra os pés descalços. Mas, ao virar o corredor, a normalidade se esvaiu no momento em que vi Falcão e minha mãe juntos na cozinha.
Ele estava sentado à mesa, tomando café como se nada tivesse acontecido, como se tudo estivesse em seu devido lugar. Minha mãe preparava alguma coisa no fogão, cantarolando baixinho. A cena era quase caseira, familiar, mas o peso do que aconteceu entre mim e ele tornava tudo estranho.
Falcão ergueu o olhar assim que me viu.
Foi um instante.
O suficiente para o olhar dele me despir dos pés à cabeça, os olhos escuros percorrendo cada detalhe do vestido solto, da pele ainda quente do banho.
Minha respiração travou, mas mantive a expressão neutra. Eu não ia dar esse gosto pra ele.
Mas ele não ia facilitar.
Com uma expressão calculada, Falcão largou o pão que segurava e se levantou da cadeira, indo direto até minha mãe. Chegou por trás dela, pousou as mãos grandes na cintura dela e a puxou para um abraço firme, encostando a boca no ombro dela de um jeito íntimo demais.
Meu estômago revirou.
Ele nunca foi de gestos carinhosos, nunca demonstrou esse tipo de afeto na frente de ninguém. E agora, do nada, ele fazia isso?
Por quê?
— Tá cheiroso esse café, hein? — murmurou contra o ombro dela, com aquele tom grave e preguiçoso, deixando a voz arrastada de propósito.
Minha mãe riu baixo, balançando a cabeça enquanto mexia a frigideira.
— Se tu acordasse mais cedo, ia aproveitar melhor o cheirinho, Rodrigo.
Ele sorriu, um sorriso carregado de algo que só eu parecia perceber. Os olhos dele continuavam em mim enquanto falava com ela.
Provocação.
O desgraçado tava me testando.
A tensão no ar ficou tão densa que parecia palpável. Minha mãe não notou nada, mas eu sentia cada movimento dele como se fosse direcionado a mim.
Cruzei os braços, respirando fundo antes de caminhar até a mesa e me sentar. Peguei uma fatia de pão e passei manteiga, tentando ignorar o desconforto que subia pelo meu peito.
— Dormiu bem, filha? — Minha mãe perguntou, sem nem virar para mim.
— Uhum — murmurei, levando o pão à boca, mesmo sem fome.
Senti Falcão se afastar dela e voltar para a mesa, se jogando na cadeira com uma calma calculada, pegando o copo de café e tomando um gole.
— O baile ontem tava bom? — perguntou, com a voz carregada de desinteresse falso.

VOCÊ ESTÁ LENDO
TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...