Capítulo 57 - O peso da paz.

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No caminho, pediu para que parassem o veículo, correu para um tumulto que se fizera em uma praça. Uma senhora se debatia enquanto era empurrada para um grande tubo metálico que mais se parecia com uma máquina de ressonância magnética, apesar de a comparação ser forçosa. Biko gritava para os novos estrangeiros que estavam operando a máquina:

__Parem com isso!

Mas a ação já havia sido finalizada, à medida que um breve laser percorrera seu corpo alterando irreversivelmente seu código genético:

__Isso é um absurdo!

Um segundo laser foi visto, acelerando a taxa de transcrição gênica, segundos depois a senhora saía da máquina desnorteada com olhar perdido ao longe e seria levada para um Centro de Adaptação Modular.

Os pedidos de Biko pareciam nem ser notados, tais como ruídos externos. O homem diante da apatia de seus antigos colegas de praça e de protestos segurou o braço de uma moça, loira, de pele levemente morena, que antes possuía sorriso fácil e aberto e agora parecia dotada de um grande formalismo técnico:

__Por favor, Claire, você tem que me ouvir!

Ela olhava para Biko com um olhar de compaixão, alternado por traços de repugnância e medo, e parando um momento antes de se reconectar a grande rede, respondeu sem emotividade:

__Nós vamos escutá-lo então.

Biko tentou coordenar seus pensamentos e afirmou de modo persuasivo:

__O que você acha da liberdade?

Claire pareceu por um instante ficar abalada, mas logo recobrou sua frieza:

__Nós valorizamos a liberdade individual conforme as determinações de nosso estatuto.

O engenheiro de software, em um ato menos contido, agarrou com força o braço de Claire que franziu o rosto irritando-se:

__Eu perguntei o que você acha, não o que eles acham!

Ela engoliu a seco e ficou desnorteada e respondeu com o olhar perdido:

__Eu não sei mais o que eu acho...

Mas logo recebeu uma nova atualização da grande rede:

__Os primatas agiam de modo individual, pensavam dessa forma, nós...

Biko completou sem disfarçar sua frustração e nervosismo diante de um discurso que ele mesmo havia escrito há três meses:

__Os Novos Estrangeiros não vivemos reclusos a uma distinção ontológica entre a ação individual e a coletiva, entre o particular e o genérico...

Ela esboçou um sorriso, não estava diante de um primata perdido, enquanto o mentor da revolução soltava levemente seu braço. Ela continuava fixando o olhar nele, como se lembrasse de algo que ocorrera entre os dois anos anteriores. Mas, logo seu rosto se mostrou apreensivo, como se tal fosse apoderado por um desespero momentâneo, suspirou e se afastou rapidamente com medo de Biko e das lembranças que tal lhe suscitava. Correu em seguida para alcançar seu mutirão de trabalho e adentrou em uma nave oculta que aterrissara sobre ao lado de um prédio.

Biko contemplava Claire partir com o coração apertado e suspirava demostrando grande tensão e remorsos por ter-se deixado dominar por sentimentos tão primitivos, instantes depois uma guerra mental era travada em sua cabeça e ele comentava sozinho prestes a perder a lucidez. Uma vez que seu desejo de preservar a liberdade individual era confrontado com a Grande Rede a qual se conectava periodicamente para prever as consequências coletivas de suas ações e buscar agir de um modo que provocasse as melhores consequências. No entanto, a não aplicação forçada dos módulos poderia gerar mais desconforto para os primatas remanescentes, já que eles viviam em constante agonia, pois contemplavam diariamente a queda de seus antigos mundos psíquicos, tal como sentia a isolada Rachel Arouet.

Apoderou-se de um estranho medo, incompatível com o papel que prestara ao mundo, temeu por ser interditado e ter em si os dois modos que lhe faltavam, para isso bastaria que a Grande Rede se modificasse e sua interdição gerasse, em longo prazo, um incremento do bem estar coletivo, comparativamente a sua não interdição. As nuvens de chuva e o vento daquele final de tarde lhe soaram agourentos, Biko então correu para sua casa tentando desviar dos medos que sua mente cultivava e que utilizava para preencher o terreno do desconhecido.

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