A raiva já tava fervendo no meu peito desde o momento em que vi Mavi entrando em casa daquele jeito. Ela tentou esconder, tentou passar direto, mas eu conheço ela bem demais pra não perceber. O jeito que segurava os ombros rígidos, a respiração curta demais, os olhos com aquele brilho assustado, como se ainda estivesse fugindo de alguma coisa. Quando ela finalmente abriu a boca e soltou aquela história, meu sangue esquentou de um jeito que fazia tempo que não acontecia.
Um filho da puta achou que podia encostar nela.
Eu passei a vida inteira construindo meu nome pra que ninguém tivesse coragem de testar os meus. Proteger minha favela, proteger os meus. E alguém teve a audácia de mexer com a mulher errada.
Eu já sabia quem era antes mesmo dela terminar a descrição. O maldito do Miguel, cobrador de dívidas de otário, que achava que podia se garantir só porque já tinha trabalhado pra um dos meus rivais tempos atrás. Um merda que vivia rondando as bocas, enchendo o saco de quem ele achava que não tinha proteção.
Mas ele mexeu com a pessoa errada.
Peguei o telefone sem dizer nada e fiz uma ligação rápida.
— O Miguel tá pelo morro ainda? — perguntei, direto ao ponto.
Do outro lado, a resposta veio rápida.
— Tá no bar do Zé, como sempre. Mas por quê?
— Segura ele. Ninguém encosta, ninguém encosta. Só segura. Tô indo.
Não precisei explicar. Quem trabalha comigo sabe que, quando eu dou uma ordem, é porque já tá decidido.
Larguei o celular na mesa e peguei a pistola que tava no sofá, enfiando na cintura. A raiva queimava no estômago como se tivesse se espalhando pelo corpo todo.
Mavi me olhava do outro lado da sala. O rosto carregava preocupação, mas também algo mais. Algo que eu não conseguia decifrar.
— O que você vai fazer? — perguntou, a voz saindo tensa.
Passei a língua pelos dentes, tentando manter o controle.
— Vou resolver.
— Falcão... — Ela deu um passo na minha direção, os olhos implorando algo que eu não tava pronto pra ouvir.
— Vai pro quarto, Mavi.
Ela hesitou, como se fosse insistir. Mas no fim, suspirou e fez o que eu disse. Melhor assim. Ela não precisava ver o que ia acontecer.
Saí da casa e fui direto pro bar do Zé. O lugar tava lotado como sempre, o cheiro de cerveja misturado ao cigarro e a fritura no ar. Assim que botei os pés no bar, o clima mudou. Conversas baixaram, olhares desviaram. Todo mundo sabia que quando eu chegava desse jeito, não era pra tomar uma cerveja e jogar conversa fora.
Miguel tava encostado no balcão, segurado por dois dos meus. Ele tentava fingir que não tava com medo, mas eu via o suor escorrendo na lateral do rosto dele.
— E aí, chefe? — Ele forçou um sorriso, a voz tentando soar tranquila.
Eu me aproximei devagar, o olhar fixo no dele.
— Você foi cobrar dívida no lugar errado, Miguel.
Ele engoliu em seco, os olhos tremendo um pouco.
— Nada pessoal, Falcão. Negócios, sabe? O pai daquela garota me devia dinheiro. Achei que alguém tinha que pagar.
Minha mão fechou em um punho antes que eu conseguisse segurar.
— Aquela garota é minha enteada.
O silêncio que veio depois foi alto. Miguel abriu e fechou a boca, mas não respondeu.

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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...