O ar ao nosso redor parecia carregado, pesado demais. Eu ainda sentia o gosto dele nos lábios, a respiração entrecortada pela tensão que pairava entre nós. O corpo inteiro gritava para continuar, para ceder ao que eu vinha reprimindo há tempo demais. Mas então, como um choque elétrico, a realidade bateu.
Minha mãe.
A culpa veio rápida e impiedosa, cortando qualquer fagulha de desejo que ainda existia naquele instante.
Afastei-me bruscamente, o coração martelando contra as costelas. Minhas mãos, antes firmes contra o peito dele, agora empurravam-no para longe. A respiração ainda era irregular, a pele ardendo com o calor do toque dele, mas eu precisava criar distância. Precisava de espaço para pensar.
— A gente não pode... — murmurei, a voz falhando. Meu corpo dizia uma coisa, mas minha consciência gritava outra.
Falcão não tentou me segurar. Ele apenas ficou onde estava, imóvel, me observando com um olhar indecifrável. O maxilar tenso, as mãos fechadas ao lado do corpo como se estivesse contendo algo dentro dele.
— Eu sei... — Ele respirou fundo, os olhos ainda presos nos meus.
Mas, mesmo com a afirmação, não havia arrependimento em sua voz. Pelo contrário, parecia frustrado. E pior: parecia querer mais.
Engoli em seco, sentindo os dedos tremendo enquanto passava a mão pelos cabelos, tentando encontrar uma forma de recuperar o controle da situação.
— Eu não posso fazer isso com a minha mãe — sussurrei, a culpa subindo como um veneno na garganta.
Ele assentiu, devagar, mas não disse nada de imediato. Apenas me observava, como se analisasse cada detalhe da minha expressão, cada nuance do que eu sentia naquele momento.
— Eu respeito isso — disse, por fim. A voz rouca, mas firme.
Mas havia algo na forma como ele olhava para mim que deixava claro que isso não era um fim.
Virei as costas rapidamente, antes que meu corpo pudesse me trair de novo. Antes que eu fizesse algo que não poderia desfazer.
Subi as escadas em passos apressados, sentindo a pele ainda quente, os lábios formigando com o resquício do beijo. Cada passo parecia pesado, como se eu estivesse fugindo de algo inevitável.
Mas fugir não apagava o que aconteceu.
Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim, trancando-a como se isso pudesse barrar os pensamentos que se infiltravam na minha mente.
Mas não podia.
A respiração vinha curta, os dedos ainda trêmulos. Passei a mão pelo rosto, sentindo a pele quente, quase febril.
Que merda eu tava fazendo?
Joguei-me na cama, olhando para o teto, mas tudo que via era ele. Os olhos escuros, intensos, queimando cada vez que pousavam em mim. O jeito que a boca dele se encaixou na minha, como se aquilo fosse uma maldita inevitabilidade.
Era errado.
Minha mãe confiava nele. Confiava em mim.
Eu deveria sentir repulsa pelo que aconteceu.
Mas, por mais que eu tentasse... tudo o que eu conseguia sentir era desejo.
E isso me aterrorizava.
O ventilador girava preguiçoso, espalhando um vento morno que não fazia nada para aliviar o calor que me consumia por dentro. Fechei os olhos, tentando afastar a memória da boca dele na minha. Do cheiro amadeirado, do gosto de whisky e cigarro que ainda parecia impregnado em mim.
Minhas mãos se fecharam em punhos.
Isso precisa parar.
Eu repeti isso para mim mesma, uma, duas, dez vezes. Mas, toda vez que minha mente tentava negar o que tinha acontecido, meu corpo insistia em lembrar.
A forma como ele me olhava. O jeito que os dedos tocaram minha pele como se soubessem exatamente como me fazer perder o controle. O fato de que, mesmo agora, sabendo de tudo que estava em jogo, eu ainda queria mais.
Fechei os olhos com força.
Se eu tivesse demorado mais alguns segundos lá fora, se não tivesse recuado...
O que teria acontecido?
Sacudi a cabeça, como se pudesse expulsar esses pensamentos. Mas eles estavam cravados na minha mente, como farpas impossíveis de arrancar. Cada vez que tentava afastá-los, sentia-os fincarem mais fundo, me prendendo a algo que eu deveria rejeitar.
Levantei-me da cama, os músculos rígidos, como se meu corpo inteiro estivesse resistindo ao que minha mente já sabia ser inevitável. Caminhei até o espelho, os pés descalços roçando o chão frio, na tentativa de encontrar alguma âncora para a realidade.
Encarei meu reflexo.
Era estranho como, por fora, eu ainda parecia a mesma.
O cabelo bagunçado, os olhos um pouco mais escuros pela falta de sono. A respiração ainda irregular, como se meu corpo não tivesse se recuperado do que aconteceu há pouco.
Mas, lá dentro, algo tinha mudado.
Não era mais só um pensamento passageiro. Não era uma atração momentânea, um erro que eu poderia varrer para debaixo do tapete.
Eu sabia.
Sabia que o desejo não era algo fugaz, que desapareceria com o tempo ou com a culpa. Sabia que Falcão não ia simplesmente esquecer o que aconteceu entre nós.
E, mais do que tudo, sabia que ele estava esperando.
Esperando eu ceder.
O espelho não mentia. Meu rosto ainda tinha vestígios do que senti minutos atrás. O rubor na pele, o brilho confuso nos olhos, a boca ligeiramente entreaberta, como se meu próprio corpo se recusasse a esquecer o gosto dele.
Minha mãe estava lá embaixo, confiando cegamente no homem que, há poucos minutos, tinha a boca colada na minha.
O homem que a tocava. Que dormia ao lado dela.
E que me olhava como se eu já fosse dele.
O estômago revirou, uma mistura de nojo de mim mesma e algo muito pior: a vontade latente que não sumia, não importava quantas vezes eu repetisse para mim mesma que era errado.
Eu estava lutando contra um sentimento que já parecia perdido.
Soltei um suspiro trêmulo e esfreguei o rosto com força, tentando apagar as marcas invisíveis que Falcão tinha deixado em mim.
Amanhã, eu ia acordar e fingir que nada aconteceu.
Fingir que o beijo foi um erro.
Que não significou nada.
Que eu não senti o peito se apertar quando me afastei.
Que o gosto dele não estava gravado na minha língua.
Mas, no fundo, eu sabia a verdade.
Não era só um beijo.
Era um aviso.
Uma promessa silenciosa de que aquilo estava longe de terminar.
O começo de algo que eu não tinha mais certeza se conseguiria evitar.
E, pela primeira vez, o medo que eu sentia não era de Falcão.
Era de mim mesma.
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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...