Fazia dias que eu tentava afastar aqueles pensamentos da cabeça. Dias tentando me convencer de que era só confusão, que o calor do momento estava me afetando, que eu estava lendo sinais errados. Mas não adiantava.
O problema era que eu sabia que não era só coisa da minha cabeça.
Porque era ele. O jeito como o Falcão me olhava ultimamente, como se cada vez que cruzávamos o olhar existisse um silêncio diferente, carregado, dizendo mais do que qualquer palavra. Como se ele estivesse testando meus limites. Ou pior, como se ele soubesse que eu estava testando os meus.
Eu tentava me ocupar o máximo possível. Estudar mais. Ficar até mais tarde na faculdade, mesmo quando não precisava. Estágio. Trabalhos. Qualquer coisa que me fizesse evitar o desconforto de estar naquela casa com ele.
Mas a verdade era que, mesmo longe, eu continuava pensando.
E odiava isso.
Odiava o fato de não conseguir ignorar a forma como o cheiro dele parecia sempre preso na minha pele, como se cada vez que ele passasse perto, o perfume amadeirado e forte se misturasse ao ar de propósito. Odiava o jeito como ele sempre parecia estar presente. E, acima de tudo, odiava o fato de que, no fundo, uma parte de mim não queria evitar aquilo.
Só que era errado.
Errado demais.
Ele era o marido da minha mãe. Ele era o homem que nos acolheu. E, por mais que ela tentasse disfarçar, minha mãe era apaixonada por ele. Isso era nítido.
E eu não tinha o direito de sentir nada por ele. Nada.
Mas eu sentia.
E isso estava me matando.
A noite estava quente demais. O ventilador no quarto girava preguiçoso, sem realmente refrescar o suficiente para me fazer dormir. A luz do poste piscava do lado de fora da janela, desenhando sombras no teto enquanto eu revirava no colchão, o corpo inquieto.
O peito ainda formigava, mas era uma pressão diferente agora. Algo mais interno, mais confuso.
Suspirei, me sentando na cama, frustrada. Talvez um copo d'água ajudasse.
Levantei devagar, o piso de madeira rangendo sob os pés descalços. Peguei a camiseta que estava jogada na poltrona e vesti por cima do short de dormir, saindo do quarto em silêncio, sem acender as luzes.
A casa estava em silêncio. Minha mãe devia estar dormindo no quarto ao lado. Desci as escadas lentamente, o corrimão frio sob meus dedos, tentando não fazer barulho.
O cheiro de churrasco ainda estava impregnado no ar, misturado ao perfume amadeirado familiar.
Ao entrar na cozinha, foi impossível não notar a silhueta dele.
Falcão estava ali.
De costas para mim, parado diante da pia, segurando um copo de whisky quase vazio. A camiseta cinza colava nas costas largas, os músculos tensos sob o tecido fino. O som da respiração dele parecia mais alto do que deveria.
Eu deveria ter voltado. Deveria ter dado meia-volta e subido as escadas.
Mas não fiz isso.
Em vez disso, me obriguei a avançar, a tentar agir com a mesma normalidade que eu lutava para manter.
— Não consegue dormir também? — perguntei, a voz saindo baixa, mas firme.
Ele virou o rosto devagar, os olhos escuros encontrando os meus no mesmo instante. Por um segundo, tive a impressão de que ele me analisava de cima a baixo antes de responder.
— Calor. — A voz rouca soou mais grave naquele silêncio. — E você?
Engoli em seco, sentindo o estômago revirar só pelo jeito que ele me olhava.
— Também. Vim pegar água. — Cruzei os braços, mais para me proteger do que por frio, já que o calor continuava sufocante.
Ele assentiu, dando um passo para o lado e estendendo a garrafa que já estava sobre a pia.
— Toma.
Aceitei, pegando um copo e tentando manter o olhar na água e não nele. As mãos se tocaram brevemente, e eu senti o toque quente, mesmo que fosse só um instante.
Tomei um gole longo, o silêncio entre nós se estendendo de forma quase... sufocante.
Eu precisava sair dali.
— Bom... vou voltar. — Murmurei, começando a me virar.
Mas a voz dele me prendeu no lugar.
— Mavi.
Virei o rosto de novo, o coração acelerando antes mesmo de entender o motivo.
Ele estava mais perto agora. Perto o suficiente para que eu sentisse o cheiro do whisky misturado ao perfume amadeirado.
— Tem certeza que tá tudo bem? — O tom era baixo, mas havia algo ali. Algo... perigoso.
Assenti, tentando disfarçar o tremor.
— Tô... claro que tô.
Mas o olhar dele não me deixava mentir.
— Não parece. — Ele se inclinou um pouco mais, a voz ainda grave, quase um sussurro. — Desde quando cê foge de mim?
O coração martelava no peito.
— Eu... não tô fugindo. — menti, a voz fraca, quase sem fôlego.
Ele deu mais um passo.
— Tá sim. — Os olhos desceram rapidamente pelo meu rosto, pela curva do pescoço.
A tensão era tão sufocante que o ar parecia denso, pesado. E então, aconteceu.
Ele ergueu a mão devagar, os dedos roçando de leve o meu rosto, testando, como se esperasse que eu o afastasse.
Era o que deveria ter feito. Eu deveria ter recuado. Deveria ter parado isso antes.
Mas quando ele se inclinou, quando os lábios roçaram os meus de forma lenta, hesitante, como se me desse tempo para recuar... Eu não me afastei.
Pelo contrário, cedi. E o beijo aconteceu.
Lento, hesitante, como se ambos testassem os próprios limites, como se aquele fosse um território novo e perigoso, mas impossível de resistir. O toque inicial era suave, os lábios apenas se roçando, um convite silencioso, carregado de tensão e promessas não ditas. O mundo ao redor pareceu silenciar, como se nada mais existisse além do calor crescente entre nós.
Mas então, como se uma represa se rompesse, ele aprofundou o beijo. Seus lábios pressionaram os meus com mais intensidade, a mão firme deslizando para a minha nuca, os dedos entrelaçando-se nos fios do meu cabelo, guiando-me para ainda mais perto. O peito dele se colou ao meu, e eu senti o calor de seu corpo irradiar em ondas, um calor que nada tinha a ver com o verão lá fora. Esse era outro tipo de calor. Mais denso, mais sufocante, como se o ar tivesse se tornado espesso demais para ser respirado.
O coração batia forte no peito, cada batida ecoando como um tambor, vibrando em cada parte do meu corpo. O gosto dele misturava-se ao meu, a língua explorando com uma fome crescente, mas ainda contida, como se ele lutasse para manter o controle. Eu sentia o toque dele não apenas nos lábios, mas em todo o corpo, como se cada parte de mim estivesse respondendo ao toque, ao cheiro, à presença intensa e inevitável.
E, por mais errado que tudo aquilo fosse, por mais que uma parte de mim gritasse para parar, para lembrar das consequências, do caos que aquele beijo poderia causar, o momento me envolvia completamente. Eu não conseguia pensar em mais nada. Apenas no toque. No calor. Nele.
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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...