Capítulo 14 - Maria Vitória (Mavi)

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O cheiro de carvão aceso e temperos no ar era a primeira coisa que se destacava quando eu desci para o terraço naquela tarde. O calor típico do Rio de Janeiro parecia ainda mais intenso com o fogo da churrasqueira aceso, misturando o aroma da carne assando ao ar morno. O som de risadas ecoava pelo espaço, misturado à batida do funk tocando baixo na caixa de som.

O churrasco já estava acontecendo. Algumas pessoas da vizinhança, amigos do Falcão e da minha mãe se espalhavam pelas cadeiras de plástico, copos de cerveja e refrigerante em mãos. Era um dia típico, descontraído. Mas eu não conseguia relaxar.

Desde a manhã, a sensação de desconforto não saía do meu peito. Literalmente.

A lembrança do problema que eu achei que tinha superado continuava voltando como um peso no peito — ou melhor, dentro do peito. E o que piorava era a forma como Falcão me olhava desde que chegou do mercado. Atento. Observador. Como se soubesse que eu estava escondendo algo.

Tentei ignorá-lo, focando no copo de suco na minha mão enquanto me encostava no parapeito do terraço. O sol começava a descer, tingindo o céu de tons alaranjados, mas o calor continuava grudento na pele.

Ele estava lá, do outro lado do terraço, mexendo na grelha com a mesma calma controlada de sempre. Camiseta preta colada no peito largo, a barra erguida só o suficiente para revelar a pele bronzeada e o contorno de uma tatuagem que subia pela lateral do tronco. As mãos firmes segurando a pinça, virando a carne com uma precisão irritante. Parecia estar no controle de tudo. Como sempre.

Respirei fundo e desviei o olhar. Não fica pensando nisso, Mavi. Esquece.

— Não vai comer nada? — A voz grave ecoou do meu lado.

Virei o rosto rápido, e Falcão estava ali, bem mais perto do que antes. Nem vi quando ele tinha se aproximado. A cerveja pendia na mão dele, o olhar fixo em mim, analisando.

Engoli em seco, tentando manter a postura.

— Tô sem fome...

Ele ergueu uma sobrancelha, inclinando um pouco a cabeça. O olhar preso ao meu, aquele jeito dele de parecer que estava enxergando muito além das palavras.

— Desde quando você recusa churrasco?

Dei de ombros, forçando um sorriso fraco.

— Desde que... tô meio cheia, só isso. — Olhei para o copo de suco como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

Ele não respondeu de imediato. Apenas tomou mais um gole da cerveja, os olhos ainda fixos em mim. O silêncio entre nós parecia mais denso do que deveria.

Eu sabia que ele não ia deixar isso passar.

— Tá tudo bem? — A voz dele soou mais baixa agora, quase cuidadosa.

Suspirei, sentindo o peso de um nó na garganta que eu não queria admitir que estava lá.

— Não é nada, Falcão. Sério — murmurei, virando o rosto, mas sentindo a proximidade dele ainda ali, a presença forte demais para ignorar.

— Mavi... — Ele usou aquele tom mais grave, mais sério, me chamando de um jeito que fazia parecer impossível ignorar. — Não parece que tá tudo bem.

Apertei o copo nas mãos, o coração batendo mais forte. Eu sabia que, se não falasse, ele não ia parar. E eu não tinha forças para continuar fugindo disso o tempo inteiro.

Suspirei e soltei de uma vez.

— É... um problema... com meu corpo. Um... problema antigo que eu achei que tinha passado. — As palavras saíram emboladas, rápidas, e eu senti o rosto esquentar enquanto falava.

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