O cheiro forte de desinfetante impregnava o ar do banheiro abafado da faculdade, misturado ao calor úmido que parecia grudar na pele. A iluminação fria dos refletores acima do espelho ressaltava as olheiras sob meus olhos, denunciando o cansaço acumulado das últimas semanas. Meus cabelos castanhos, ainda úmidos de suor por causa do calor insuportável do Rio, grudavam levemente na nuca. Eu observava meu próprio reflexo com uma expressão cansada, os lábios comprimidos e a testa franzida enquanto ajeitava uma mecha rebelde atrás da orelha.
Ao meu lado, Thainá, com seus traços indígenas marcantes e a pele brilhando sob a luz, trançava o cabelo negro e liso com a paciência de quem fazia aquilo diariamente. Ela estava serena, como sempre parecia estar, mesmo quando percebia que eu estava longe de tranquila. O silêncio entre nós era preenchido apenas pelo barulho suave das tranças sendo puxadas e pelo eco da torneira pingando de leve ao fundo.
Soltei um suspiro pesado e cruzei os braços, o peito apertando mais uma vez. Falar sobre aquilo parecia fazer o nó no estômago se apertar ainda mais.
— Ele tá estranho, Thainá — soltei, quase num sussurro, mas alto o suficiente para que minha amiga erguesse os olhos para mim pelo reflexo do espelho. — Desde aquele dia... O Gabriel mal olha na minha cara.
Minha voz falhou um pouco, e eu odiei a forma como aquilo me deixava vulnerável. Eu não queria parecer frágil, não queria me importar tanto, mas a verdade era que cada vez que ele passava por mim sem sequer me notar, parecia uma agulha fincando direto no peito.
Thainá arqueou uma sobrancelha, sua expressão curiosa e um tanto cética. Ela inclinou levemente a cabeça enquanto terminava a trança e a prendia com um elástico simples no final, os olhos ainda fixos em mim pelo espelho.
— Já tentou falar com ele de novo? — perguntou, com aquele tom direto e prático que ela sempre usava quando queria me fazer encarar a realidade.
Eu assenti lentamente, desviando o olhar para o chão encardido do banheiro. As cerâmicas brancas estavam gastas, algumas rachaduras se espalhando pelos cantos.
— Tentei. — Suspirei, mordendo o lábio inferior. — E ele sempre inventa uma desculpa idiota. Tá claro que ele tá me evitando.
A verdade doía mais quando eu dizia em voz alta. Parecia ainda mais real. Senti o aperto no peito aumentar, como se cada palavra que eu dizia reafirmasse o óbvio que eu tentava negar para mim mesma. As mãos começaram a suar, e eu esfreguei as palmas nos jeans, tentando dissipar aquela sensação incômoda.
Thainá virou-se para mim de verdade agora, recostando o quadril contra a pia. Seus olhos escuros me analisavam com a calma que só ela conseguia ter em momentos como esse.
— Então cê já sabe a resposta, né, amiga? — A voz dela era firme, mas sem ser dura. Ela sempre sabia equilibrar o tom. — Desencana desse cara. Ele não te merece, Mavi.
Eu queria acreditar naquelas palavras, mas era difícil. Difícil porque eu ainda lembrava de como Gabriel me olhava antes de tudo desmoronar. De como ele parecia sincero, de como me fazia rir nas noites em que eu chegava exausta do estágio e da faculdade. Mas agora, parecia que eu tinha virado apenas um incômodo pra ele, algo que ele queria evitar a todo custo.
Assenti devagar, mesmo sem estar convencida, e tentei sorrir, mas o resultado foi fraco, quase forçado.
— É, eu sei... — murmurei, apertando os braços ao redor do próprio corpo como se aquilo pudesse me proteger da decepção. — Mas é difícil, sabe?
Thainá suavizou a expressão e se aproximou, apertando meu ombro com um carinho genuíno.
— Eu sei que é. — Sua voz baixou um pouco, mais gentil. — Mas a verdade é que quem perde é ele. Cê é incrível, Mavi. Para de se culpar por isso, sério.

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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...