A sensação de ser observada não me deixava. Era sutil, como um peso que você só percebe quando para para respirar. Não sabia ao certo se era paranoia minha ou se realmente tinha algo por trás, mas a presença constante do Falcão parecia se intensificar. Sempre que eu levantava os olhos, ele estava perto. Às vezes, fingindo não me notar, outras vezes, com aquele olhar firme, quase indecifrável. E, mesmo que ele não dissesse nada, eu sabia que ele estava prestando atenção.
Depois da festa do meu aniversário, fiquei mais alerta. As pessoas sempre diziam que Falcão era protetor, cuidadoso, que ele tratava minha mãe e eu como prioridade, mas havia algo diferente agora. Uma energia que fazia minha pele arrepiar.
Naquela tarde, depois do estágio, decidi ir para casa direto. O calor do Rio de Janeiro estava sufocante, e o vento quente que batia contra o meu rosto enquanto eu pilotava a moto parecia mais uma promessa de chuva que nunca se cumpria. Entrei no morro, desacelerei e tirei o capacete, sentindo o cabelo grudando na testa. Passei a mão para ajeitá-lo, respirando fundo o ar quente misturado ao cheiro de comida sendo preparada em alguma casa próxima.
Ao estacionar em frente à casa, vi o Falcão encostado na porta da garagem. Ele não disse nada, apenas cruzou os braços e ficou me olhando. Não era exatamente um olhar hostil, mas havia algo naquela intensidade que sempre me deixava desconfortável. Parei a moto e desci, tentando parecer indiferente.
— Chegou cedo hoje — ele comentou, o tom casual, mas o olhar ainda preso em mim.
— Resolvi não enrolar na faculdade hoje. — Sorri rápido, apertando as alças da mochila enquanto passava por ele.
— Bom. — Ele assentiu, mas ficou parado no mesmo lugar, me observando entrar.
Dentro de casa, minha mãe estava na cozinha, como de costume. O cheiro de alho e cebola refogados tomou conta do ambiente, misturando-se ao som baixo de um rádio ligado no fundo.
— Oi, mãe — falei, jogando a mochila no sofá.
— Oi, filha. Como foi o dia? — perguntou, sem desviar os olhos da panela.
— Foi tranquilo. E você? — Me aproximei, apoiando os cotovelos na mesa.
— Nada demais. O Falcão saiu cedo, mas voltou agora há pouco. Ele perguntou se você tinha ido de carro. — Ela me olhou por cima do ombro com aquele sorriso de quem não via nada de errado nisso.
Eu, por outro lado, senti um nó no estômago. Forcei um sorriso e dei de ombros.
— Eu ainda tô me acostumando a dirigir ele, mãe. Vou subir um pouco, tá?
Ela assentiu e voltou para a comida, cantarolando baixinho enquanto mexia na panela. Subi para o meu quarto e fechei a porta, soltando um suspiro enquanto me jogava na cama. Minha cabeça estava a mil. Eu precisava parar de criar coisas na minha mente. Talvez ele só quisesse ser gentil. Talvez eu estivesse exagerando. Mas, por mais que eu tentasse convencer a mim mesma, algo não se encaixava.
[...]
Naquela noite, enquanto eu revisava alguns textos da faculdade, ouvi passos no corredor. Pareciam hesitantes, como se a pessoa não soubesse se devia continuar. Meu coração acelerou. Levantei o olhar para a porta e fiquei imóvel, esperando. A batida veio logo depois, firme, mas contida.
— Mavi? — A voz do Falcão soou abafada, mas clara o suficiente para me fazer prender a respiração.
— Oi. — Tentei soar normal, mas minha voz saiu mais alta do que o esperado.
A porta se abriu devagar, e ele apareceu no batente. Usava uma camiseta preta que deixava as tatuagens dos braços à mostra. Ele tinha aquele jeito despreocupado, mas seus olhos não me deixavam à vontade.
— Tá ocupada? — perguntou, como se realmente quisesse saber.
— Só revisando umas coisas da faculdade. — Fechei o notebook e me ajeitei na cama, tentando não demonstrar nervosismo.
Ele deu um passo para dentro, olhando ao redor, como se estivesse inspecionando o lugar.
— Eu só queria te perguntar uma coisa. — Ele parou perto da porta, cruzando os braços novamente. — Você tem saído muito com aquele rapaz, o Gabriel?
Minha garganta secou. Por que ele estava perguntando isso?
— Tenho. A gente tá junto há alguns meses. Por quê? — Minha voz saiu firme, mas meu coração estava batendo mais rápido.
Ele balançou a cabeça lentamente, como se estivesse considerando a resposta.
— Só queria saber se ele te trata bem. — O tom era casual, mas havia algo por trás das palavras, algo que eu não conseguia identificar.
— Trata, sim. Não precisa se preocupar com isso. — Dei um sorriso forçado, mas ele não retribuiu.
Por um momento, ele apenas me olhou, e o silêncio preencheu o quarto. O ar parecia mais pesado, como se algo não dito estivesse pairando entre nós. Finalmente, ele assentiu.
— Tá bom. Se precisar de alguma coisa, você sabe onde me encontrar. — Ele deu meia-volta e saiu, fechando a porta com cuidado.
Soltei o ar que nem percebi que estava segurando. Aquela interação me deixou mais inquieta do que eu queria admitir. Era como se ele estivesse sempre tentando lembrar que estava presente, que sabia mais sobre mim do que deveria. Tentei voltar para meus textos, mas a concentração já tinha ido embora.
[...]
Os dias seguintes seguiram o mesmo padrão. Falcão parecia estar em todos os lugares. Quando eu descia para tomar café, ele já estava na cozinha. Quando eu voltava do estágio, ele estava no portão. Mesmo quando eu saía com Gabriel, tinha a sensação de que ele sabia exatamente onde eu estava.
Na faculdade, comentei sobre isso com minha amiga Thainá. Ela era do tipo que sempre via tudo pelo lado positivo.
— Acho que ele só quer cuidar de você, sabe? É o jeito dele. — Ela deu de ombros, enquanto bebíamos um café no intervalo.
— Talvez. Mas às vezes é... demais. — Mordi o lábio, hesitante. — Parece que ele quer saber tudo o que eu faço, com quem eu tô. Não sei explicar.
Thainá me olhou por um instante, como se considerasse o que eu estava dizendo.
— Já pensou em conversar com ele sobre isso? — sugeriu, mas logo riu. — Ou talvez seja melhor não. Vai que ele é do tipo que não gosta de ser confrontado e te deixa careca.
Ri junto com ela, mas a verdade era que a ideia de confrontá-lo me dava calafrios. Falcão não era do tipo que gostava de ser questionado. Ele controlava tudo ao redor dele, e eu sabia que não seria diferente comigo.
[...]
Naquela noite, deitada na cama, os pensamentos giravam em minha mente como uma tempestade. Tentei ignorar, tentei racionalizar, mas o desconforto era maior do que qualquer lógica. Algo estava mudando, e eu não sabia até onde isso iria. Fechei os olhos, mas o sono não veio fácil. A sensação de ser observada ainda estava lá, como uma sombra que nunca me abandonava.

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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...