O som do churrasco na grelha se misturava ao burburinho das conversas ao redor. O calor do Rio de Janeiro parecia mais intenso naquele dia, mas a sombra das árvores e a brisa ocasional ajudavam a tornar o ambiente suportável. Eu observava o movimento ao redor enquanto sentia o cheiro de carne assada, misturado ao aroma do cloro vindo da piscina. Era o meu aniversário de 20 anos, e minha mãe tinha insistido que fosse algo especial. O Falcão, como sempre, foi além, organizando tudo em seu espaço de eventos no morro.
Meus amigos da faculdade estavam lá, se enturmando com o pessoal da época da escola. Todo mundo parecia relaxado, rindo e conversando, enquanto eu tentava não pensar muito. Estava com o Gabriel, meu namorado há três meses, e ele fazia questão de segurar minha mão o tempo todo, como se quisesse marcar presença.
— Tá gostando da festa? — ele perguntou, me olhando com um sorriso tímido.
Eu sorri de volta, apertando levemente a mão dele.
— Tá ótima. Minha mãe e o Falcão exageraram, mas ficou tudo lindo. — Minha voz saiu sincera, mas não pude evitar que meu olhar escapasse para o outro lado, onde o Falcão estava.
Ele conversava com alguns homens próximos à churrasqueira, mas de vez em quando lançava um olhar na minha direção. Aquilo me incomodava, mas eu fingia não perceber. Desde que começamos a morar na casa dele, Falcão sempre teve essa presença constante. Agora, parecia mais insistente. Era sutil, como um olhar que demorava um segundo a mais ou um comentário que soava fora de lugar. Eu tentava ignorar, mas, em momentos como aquele, era impossível.
Gabriel soltou minha mão por um instante para pegar dois copos de refrigerante na mesa. Enquanto ele estava distraído, senti Falcão se aproximar. Meu corpo ficou tenso antes mesmo de ouvir sua voz.
— Curtindo a sua festa, aniversariante? — ele perguntou, com aquele tom grave que parecia carregar um peso invisível.
— Tá muito bonita, Falcão. Obrigada por organizar tudo. — Forcei um sorriso, cruzando os braços para tentar disfarçar meu desconforto.
Ele olhou para mim de cima a baixo, sem nenhuma pressa, como se estivesse avaliando algo. Senti um frio na espinha, mas mantive a postura. Falcão tinha essa maneira de olhar que fazia qualquer pessoa se sentir vulnerável, mesmo quando ele estava calado.
— Foi nada. Você merece. Vinte anos, né? Já é uma mulher agora. — Ele sorriu de lado, mas os olhos não acompanhavam o sorriso.
Havia algo mais ali, algo que eu não conseguia nomear.
Antes que eu pudesse responder, Gabriel voltou com os copos. Ele percebeu a presença do Falcão e ficou um pouco mais rígido, mas tentou disfarçar.
— Ah, oi, Falcão. — Gabriel estendeu um dos copos para mim e sorriu educadamente.
Falcão assentiu levemente, mas o sorriso dele parecia mais frio.
— Oi, garoto. Cuidando bem dela? — perguntou, e o tom da pergunta carregava mais do que as palavras sugeriam.
Gabriel deu um riso sem jeito, coçando a nuca.
— Sempre.
Eu queria acabar com aquela conversa o mais rápido possível, então me virei para Gabriel.
— Vamos sentar ali? Quero comer alguma coisa. — Apontei para uma mesa próxima, usando a desculpa para sair da situação.
Falcão assentiu devagar, como se estivesse me permitindo ir, e deu um passo para trás.
— Aproveita, Mavi. Mais tarde, tenho uma surpresa pra você.
Não respondi. Apenas o agradeci com um sorriso breve e puxei Gabriel comigo, tentando ignorar o peso daquele olhar que parecia me seguir.
[...]
A festa continuou, e eu tentei me distrair, conversando com os amigos e mergulhando na piscina. Por algumas horas, quase consegui esquecer a presença do Falcão, mas ele sempre parecia estar por perto, observando de longe. Às vezes, eu sentia seu olhar antes mesmo de vê-lo.
Já era fim de tarde quando ele chamou atenção de todos, batendo em um copo com a faca. O som ecoou e silenciou as conversas, enquanto todos se voltavam para ele. Ele estava ao lado da churrasqueira, com aquele jeito confiante que nunca abandonava.
— Antes de todo mundo ir embora, tenho uma surpresa pra Mavi. — Sua voz grave cortava o ar como uma ordem, e meu estômago revirou.
Os convidados abriram espaço enquanto ele caminhava até mim, carregando uma chave que brilhava na luz do sol. Meu coração acelerou, e uma sensação de desconforto tomou conta de mim antes mesmo de entender o que estava acontecendo.
— Feliz aniversário. Achei que estava na hora de você ter algo mais seguro. — Ele estendeu a chave para mim, e, ao fundo, ouvi um dos homens apontar para um carro novinho estacionado perto da entrada.
A multidão começou a murmurar, e alguém soltou um assobio de surpresa. Minha mãe sorriu, orgulhosa, enquanto eu sentia meu rosto esquentar. Peguei a chave hesitante, tentando processar o que estava acontecendo.
— Falcão, você não precisava... A moto já tava ótima... — comecei, mas ele me interrompeu com um gesto da mão.
— Moto é boa pra coisas perto, aqui no morro. Mas pra sair, é melhor isso. Quero você segura. — Ele sorriu, mas havia algo naquele sorriso que não me deixava confortável.
Os aplausos ao redor me fizeram sorrir por educação, mas, por dentro, eu queria que aquilo acabasse logo. Gabriel segurou minha mão de novo, tentando mostrar apoio, mas eu sabia que ele também estava desconfortável. Falcão olhou para ele por um instante, mas logo voltou sua atenção para mim.
— Espero que goste, Mavi. Você merece. — Suas palavras eram gentis, mas havia um tom possessivo que parecia atravessar cada sílaba.
Assenti, agradecendo mais uma vez, mas por dentro eu queria sair dali. Enquanto todos voltavam a conversar, me afastei com Gabriel, tentando recuperar o fôlego. Ele parecia prestes a dizer algo, mas desistiu, e eu agradeci por isso. Não sabia se tinha palavras para explicar o que sentia.
[...]
Mais tarde, quando a festa estava chegando ao fim, fiquei sentada sozinha perto da piscina, observando o reflexo das luzes na água. As risadas e conversas estavam distantes, quase abafadas. Por um instante, fechei os olhos, tentando me reconectar comigo mesma. Mas a voz do Falcão interrompeu meu momento.
— Gostou do carro? — Ele se aproximou devagar, sentando-se na cadeira ao lado.
Sua presença parecia preencher o espaço, tornando o ar mais pesado.
— Gostei, sim. Obrigada, de verdade. — Minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, apenas me observando. Quando falou novamente, sua voz era mais suave, mas não menos intensa.
— Quero que você saiba que pode contar comigo pra qualquer coisa. Sempre. — Ele inclinou um pouco o corpo, e o olhar dele encontrou o meu, mais intenso do que nunca.
Engoli em seco, desviando o olhar para a piscina.
— Sei disso. Obrigada, Falcão.
Ele ficou ali por mais alguns segundos antes de se levantar.
— Boa noite, Mavi. Feliz aniversário. — E, com isso, ele se afastou.
Fiquei ali, sozinha, sentindo o peso daquele momento. O carro era um presente incrível, mas tudo o que ele simbolizava parecia muito mais complicado do que eu queria admitir. Fechei os olhos novamente, tentando afastar os pensamentos que já estavam começando a me sufocar.

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TODOS OS DEFEITOS DO AMOR
Teen Fiction[Este livro não retrata a realidade nua e crua das favelas, é apenas uma história fictícia com o intuito de entreter] ❝ Uma conexão obscena entre enteada e padrasto ❞ No meio do caos de uma invasão no morro, Falcão, dono do morro, salva Maria Vitóri...