9 - PORTO SEGURO

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Mia

A chuva ameaça cair, e o céu carregado deixa os corredores do colégio ainda mais abafados. O ar pesado combina perfeitamente com o nó no meu estômago enquanto caminho em direção ao armário de Lara. Eu deveria estar na sala, mas ela insistiu para que eu pegasse o fichário que esqueceu.

Os passos ecoam no corredor vazio até que uma risada estridente corta o silêncio. Viro instintivamente e vejo Luna. Cercada pelas amigas, ela joga o cabelo para trás com aquele sorriso que nunca traz coisa boa.

— Olha só quem apareceu! — exclama, a voz carregada de sarcasmo.

Respiro fundo, tentando ignorar.

— O que foi agora, Luna? — A pergunta sai em um tom cansado, mas firme.

— Nada demais. Só tava aqui contando como foi seu encontro com o Ravi. — Ela dá um passo à frente, os olhos brilhando com malícia. — Ou será que deveria dizer... armadilha?

Meu estômago revira.

— Do que você tá falando? — pergunto, mantendo a voz o mais firme possível.

Luna finge um sorriso inocente, mas o brilho cruel nos olhos não engana ninguém.

— O Park me contou algo bem interessante ontem, sabe? — Ela pausa, aproveitando o silêncio tenso no ar. — Foi ele que pediu pro Ravi sair com você. Queria ver se você parava de ser um peso pra ele, entende?

Meu corpo inteiro gela.

— Isso não é verdade.

— Ah, não é? — Luna arqueia uma sobrancelha, cada palavra carregada de veneno. — Ele armou tudo, Mia. Primeiro, vocês viram amigos. Depois, o Ravi sai com você um tempo, até todo mundo esquecer que o Park vive sendo sua babá. Ele tava implorando pros amigos ajudarem.

As palavras dela soam como um tapa. Suas cúmplices começam a rir.

— Você tá inventando isso — retruco, com a garganta seca.

Luna ri, uma risada curta e cruel.

— Não acredita em mim? Pergunta pra ele, então. Embora eu ache que nem precisa. Todo mundo sabe que o Baek só te atura por causa da amizade das mães de vocês. Ou seria pena?

O rosto esquenta, e a vergonha começa a se transformar em raiva. Antes que eu consiga responder, uma voz firme atravessa o corredor.

— O que você tá falando, Luna?

Park Baek surge atrás de mim, a expressão fechada. Ele avança com passos lentos, os ombros tensos, a presença tão intensa que as amigas de Luna ficam em silêncio.

— Só tô dizendo a verdade, oppa — ela tenta, a voz mais doce do que deveria ser.

— Cala a boca. — O tom baixo e direto faz Luna arregalar os olhos.

— Oppa... — insiste, mas ele ergue a mão, interrompendo.

— Não põe palavras na minha boca. E para de inventar coisas sobre a Mia. — Ele se posiciona ao meu lado, a postura protetora. — Se quer saber, eu pedi que o Ravi estudasse com ela porque ele precisava de ajuda, e a Mia é a pessoa mais inteligente que eu conheço. Ponto final.

Luna abre a boca para responder, mas ele não dá espaço.

— E, já que estamos sendo diretos, deixa eu esclarecer uma coisa. — O tom é mais firme agora, o olhar cravado nela. — Chamar você pra sair foi a pior ideia que já tive. Fiz isso porque estava irritado e queria provocar alguém. Foi infantil, admito. Mas, se ainda não entendeu: eu não tô afim de você, Luna. Nunca estive.

Cada palavra dele soa como um golpe. Luna engole em seco, o rosto vermelho. Sem conseguir sustentar a conversa, ela dá as costas e sai apressada, seguida pelas amigas.

Fico parada, a mente girando com tudo o que acabou de acontecer.

— Não ouve o que ela disse. — Park ajeita a mochila, os olhos preocupados. — Luna só quer te provocar.

— E o Ravi? — pergunto, mesmo sem querer.

Ele desvia o olhar, coçando a nuca.

— Não pedi que ele saísse com você. — A voz sai mais baixa. — Mas acho que ele gosta de você.

A frase soa estranha, quase amarga.

— Isso te incomoda? — disparo, antes de pensar.

Park franze o cenho, o maxilar tenso.

— Por que incomodaria? Se você gosta dele...

Ele tenta soar indiferente, mas o olhar o trai. Há algo ali que nem ele parece entender.

— É sério, Mia. — O tom fica mais suave enquanto ele dá um passo na minha direção. — Mas, se ele fizer qualquer coisa que te magoe, me fala.

Engulo em seco.

— Por quê?

Park hesita. O silêncio pesa antes que ele finalmente responda.

— Porque você é importante pra mim. Quero que seja feliz. — A voz soa honesta, mas carrega algo mais.

Ele pega minha mão antes que eu possa responder.

— Vamos. Você já perdeu aula demais por causa dessa besteira.

O calor da mão dele faz tudo parecer ainda mais confuso. Há algo no toque que contradiz cada palavra. E talvez nem ele saiba o que está sentindo.
Só consigo , lembrar de todas as vezes que Park me protegeu e ancorou. Como no pior dia da minha vida.

✶✶✶


Saí correndo de casa, o coração pesado e a mente confusa. Tudo ao redor parecia embaçado, enquanto as palavras dos meus pais ecoavam como um mantra doloroso:

— Vamos nos separar, mas continuamos sendo seus pais.

Minha mãe, tentando amenizar a situação, lançou uma desculpa que só piorou o que eu sentia:

— Você vai ter dois quartos para decorar como quiser.

Era como se ela não entendesse. Não era o que eu queria. Por meses, acreditei que o silêncio entre eles fosse algo positivo. As brigas tinham diminuído, e a convivência parecia mais tranquila. Mas a verdade era bem pior: eles haviam desistido um do outro.

Sempre fui mais apegada ao meu pai. Ele não cobrava tanto, era mais leve. Mesmo eu já tendo dezesseis anos, ainda me tratava como se fosse uma criança. Agora, ele não estaria mais ali todos os dias.

O parquinho do condomínio parecia o único lugar onde podia desmoronar. Sentei no balanço mais afastado, abraçando os joelhos enquanto as lágrimas corriam. A chuva que ameaçava cair tornava o cenário ainda mais melancólico. E eu queria mesmo era me perder naquele vazio.

O som de outro balanço rangendo ao meu lado me fez erguer o olhar. Park estava ali. Não disse nada, apenas se balançava levemente, olhando para frente como se a cena toda não fosse incomum.

— O que você tá fazendo aqui? — perguntei, enxugando o rosto com pressa, mesmo sabendo que ele já tinha visto as lágrimas.

— Nada — respondeu com simplicidade, empurrando o balanço com a ponta do pé.

— Não tem outro lugar pra ir, não, Park? — a voz saiu com um tom azedo, que eu não pretendia usar.

Ele balançou a cabeça, sem tirar os olhos do horizonte.

— Não tem outro lugar onde eu queira estar.

Suspirei, derrotada. Conhecia aquele jeito dele. Se eu fosse embora, ele me seguiria. E, no fundo, sabia que faria o mesmo por ele, se os papéis fossem invertidos.

Sem dizer nada, Park enfiou a mão no bolso e tirou um tablete gigante de chocolate. Um sorriso escapou, mesmo contra minha vontade. Não consegui evitar imaginar o tamanho do bolso que comportava aquilo. Ele percebeu e abriu um sorriso discreto, começando a desembrulhar o doce.

Park quebrou um pedaço generoso e me ofereceu. Peguei sem cerimônia, mas a quantidade o fez erguer uma sobrancelha, fingindo indignação. Com o olhar de falsa reprovação, partiu mais um pedaço e me entregou, dividindo o tablete exatamente ao meio.

— Vai mesmo me dar metade? — perguntei, surpresa. Geralmente, ele insistia que precisava comer mais por ser "grande e atleta".

— Se isso te fizer feliz, dou até o inteiro. — Um sorriso de canto apareceu, enquanto ele ajeitava o balanço. — Quer ouvir uma piada?

Mordi o chocolate, tentando não sorrir de volta. Park sempre fazia isso, procurando algo para me distrair. O esforço dele para pensar em algo engraçado era evidente. A intenção era o que realmente importava.

Sem perguntar nada, apenas continuei ali. Ele não queria saber o que tinha acontecido, e eu não queria explicar. Park respeitava meu espaço, o que, de alguma forma, tornava aquele silêncio reconfortante.

Enquanto a chuva começava a pingar de leve, percebi algo: Park Baek nunca precisava de palavras para estar presente. Era só ele, sendo o porto seguro que sempre foi, mesmo quando eu nem sabia que precisava de um.

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora