Mia
Mal entro no colégio e Lara já me puxa pelo corredor como se eu fosse uma boneca de pano.
— Me conta! —Me encara com aquele sorriso malicioso e olhos brilhando de curiosidade.
— Contar o quê, Lara? — A testa franzida entrega a confusão.
— Jura que tá saindo com o Ravi? — Os braços cruzados e o olhar de acusação me fazem rir.
— Que besteira, claro que não! Tô ajudando ele em matemática esse semestre. Só isso.
— Ah, mas eu vi vocês juntos na doceria! — A cabeça inclinada de lado mostra que ela não acredita.
— Ele me pagou um doce, Lara! — Faço um gesto indignado. — A gente estudou antes do treino, e, no meu horário de almoço, ele se ofereceu pra pagar. Desde quando isso é "estar saindo"?
— Sei... Sei... — As sobrancelhas levantadas mostram que minha explicação ainda não convenceu, mas ela decide deixar pra lá.
Entramos na sala e, como sempre, pego meu lugar na frente. Lara senta ao lado, enquanto Park ocupa o fundo, onde reina entre os populares. Não é questão de escolha — se ficasse mais perto do quadro, ninguém conseguiria enxergar nada.
O professor de literatura entra, usando um chapéu estilo shakespeariano, e posa dramaticamente como se estivesse no palco.
— Hoje, pessoal, vamos falar sobre a votação da leitura em classe de Sonho de uma Noite de Verão! — O tom cheio de entusiasmo provoca um burburinho. — No fim do semestre, teremos nossa leitura em voz alta, valendo nota como sempre! Lembrando que não são obrigados a aceitar a leitura, mas seria bom...pra vocês, claro.
Os cochichos tomam conta da sala, prevendo o caos. Ele continua, aproveitando o suspense:
— E, para o elenco principal, os mais votados foram... — Uma pausa dramática faz o momento parecer a entrega do Oscar. — Luna Lima como Hermia e Park Baek como Lisandro!
A sala explode em gritos, assobios e risadas. As meninas do fundão olham para Luna como se ela tivesse ganhado na loteria.
Ouço aquele bufar típico de Park lá atrás. Provavelmente, ele gesticula e protesta para alguém. Não me viro porque, se fizer isso, ele vai perceber que estou rindo.
— Isso foi armação, só pode! — Lara murmura, cruzando os braços. — Todo mundo sabe que a Luna é louca por ele. Faz campanha desde o primeiro mês.
Dou de ombros.
— Deixa ela tentar. — O tom despreocupado disfarça o incômodo. Luna nunca escondeu de ninguém que quer Baek de volta. Eles ficaram ano passado, e vi os dois juntos algumas vezes. Se ele quisesse algo sério, já teria acontecido. Nunca me disse nada sobre ela. Nunca.
✶✶✶
— Não vou fazer essa porcaria de leitura. — Park se joga na cadeira do refeitório, roubando um pedaço do meu bolo.
— Ei! — Recupero o pedaço de volta. — Você devia fazer. Vai contar ponto.
— Não preciso, já sou bom em português. — O tom convencido acompanha as sobrancelhas erguidas.
— Literatura, seu tonto. — Um tapinha na testa o faz proteger o cabelo com as mãos.
— Meu cabelo? Sabe o trabalho que deu pra arrumar isso hoje?
— Problema seu. Você atrasa todos os dias por causa dele.
Os olhos reviram com impaciência.
— Não é só o cabelo, Mia. O cronograma tá cheio. Tem treino, estudos, vida social... Agora querem enfiar leitura coletiva no meio? Não tem como.
— Então conversa com o técnico. Ele pode ajustar seus horários. — Lanço uma piscadinha, provocando.
Antes que pudesse responder, Ravi aparece e se senta ao meu lado. Um aceno rápido para Park é retribuído com uma expressão nada amigável.
— E aí, Baek. Vai na reunião da galera hoje? — Ravi tenta puxar assunto, mas os olhos estão voltados para mim.
— Hmm... — A resposta seca e desinteressada corta qualquer tentativa de conversa.
O silêncio entre os dois dura um instante, até Ravi se inclinar, direcionando a atenção.
— Mia, tava pensando... Depois da aula de reforço, que tal um cinema?
O jeito tímido dele é visível, mas o olhar carrega uma tensão impossível de ignorar.
— Ah, eu...
— Não. — A voz firme de Park interrompe.
— Oi? — Ravi pisca, confuso.
— Sim! — Corrijo imediatamente.
— Não. — Park insiste, com o olhar autoritário.
— Tá maluco, Park Baek? Desde quando você decide isso?
— Esqueceu da Moana? — Ele levanta as sobrancelhas, com aquele sorriso irritante. — Já comprei os ingressos.
— Você... quer assistir Moana? — Ravi segura a risada, enquanto meu rosto esquenta.
— Não é assim! — Tento explicar, mas Park não deixa.
— Não mente, Mia. — Ele dá de ombros, fingindo casualidade. — Ela ama esses filmes com musiquinhas no meio.
— Cala a boca, Park! — Um beliscão no braço é a única reação possível.
— Ai! — O lugar beliscado é esfregado, mas o sorriso continua. — Tá com vergonha por quê?
— Porque não tem nada demais nisso! — Ravi entra na conversa, sorrindo. — Também gosto de animações.
— Sério? — Dou um sorriso.
— Claro. Quem não gosta? — Ravi retribui.
O sorriso de Park desaparece, substituído por um olhar sério.
— Ótimo. Então vai sozinho. Já que gosta desse estilo.
— Ou vende os ingressos pra ele e resolve logo. — Meu tom impaciente corta a tensão.
— Não. — A negativa de Park é firme.
— E por que não?! Você tava reclamando— tento entender.
— Mudei de ideia.
— Agora quer ir ver Moana?
— Você me obrigou a rever o primeiro filme. — O sorriso petulante me faz querer jogar o suco na cara dele.
Os olhos reviram novamente.
— Então leva outra pessoa.
— Quem? — A sobrancelha arqueada desafia.
Abro os braços.
— Qualquer menina dessa escola toparia, "oppa".
O olhar cravado no meu dura um segundo antes dele se levantar.
— Beleza. Vou fazer isso.
Park atravessa o refeitório, indo direto até Luna. As palavras trocadas fazem a garota reagir como se tivesse ganhado o prêmio de "namorada do ano". As palmas e risadas das amigas são como um coro.
Observo a cena, incrédula.
— Ele... não fez isso.— Murmuro.
— Fez. — Ravi ri, balançando a cabeça.
Park volta para a mesa, o sorriso de vitória estampado no rosto.
— Pronto. Convidei a Luna.
O corpo congela.
— Vocês vão os dois?
— Não. Vamos os quatro. — O tom desafiador acompanha a mochila jogada no ombro. — Não foi você que sugeriu? Agora aguenta.
Saio do refeitório tentando ignorar o calor no rosto. Não resta dúvida: ele fez de propósito.
✶✶✶
Luna tem seus motivos para não querer ficar comigo, nós criamos uma rixa velada, graças a Park, me lembro como se fosse ontem, mesmo sendo há quase um ano.
Fazia uma semana que Park estava "ficando" com Luna. Cada canto do colégio parecia pulsar com murmúrios sobre os dois.
Os meninos do time de basquete agiam como moscas em cima de cocô quando as "populares" chegavam lideradas por ela, como se fosse uma obrigação todos ficarem juntos. Só de olhar para a cara daquela garota, sorrindo de relance para mim, meu estômago revirava.
Park apareceu do nada, puxando minha mochila presa nas costas e quase me tirando do chão.
— Tá maluco? — debati os braços, tentando acertá-lo, mas ele desviava com facilidade.
— O que tá fazendo, noona? — perguntou, sem se preocupar em disfarçar o sorriso de canto.
— Pegando meu material de biologia, não tá na cara? — resmunguei, erguendo a apostila e fechando o armário em seguida.
Ele tirou a mochila das minhas mãos, inspecionando meus movimentos como se eu não soubesse colocar o livro grosso em um espaço apertado.
— O que você quer, Park? — perguntei, exasperada.
— Ajuda!
Levantei a cabeça, esperando que ele explicasse.
— Faz comigo o trabalho hoje?
A pergunta me pegou de surpresa. Sempre fazíamos trabalhos juntos, a ponto de ele nem precisar pedir. Mas, dessa vez, o professor tinha mandado formar duplas em sala, e eu prometi que faria com a Lara. Confesso que foi porque Luna tinha sido rápida em puxar Park assim que a instrução foi dada.
— Não rola — respondi, tentando parecer indiferente. Fechei o cadeado do armário devagar, usando isso como desculpa para não olhar para ele. Só de lembrar de Luna grudada em Park como velcro fazia meu cérebro doer. — Minha dupla é a Lara. A sua, Luna.
Park me acompanhou até a porta da sala, aparentemente decidido a continuar o assunto.
— Eu não aceitei isso.
— Nem negou — retruquei, lançando um olhar de vencedora.
A verdade? Eu fiquei igual uma idiota esperando que ele dissesse a Luna que preferia fazer comigo, mas ele não disse nada. Ficou quieto. Então Lara, percebendo minha cara de boba olhando para os dois como se fossem Bonnie e Clyde, sentou ao meu lado e levantou a mão.
— Eu posso fazer com você — disse, com um sorriso, enquanto o professor anotava nossos nomes.
Não respondi nada, apenas absorvi o que estava acontecendo. Park finalmente estava sendo de alguém, e parecia que eu não tinha mais a mesma importância na sua vida.
✶✶✶
Quando Lara se atrasou para a aula, fiquei sozinha no meu lugar, esperando. Park passou por mim sem olhar, mas sabia exatamente onde ele tinha sentado: ao lado de Luna, que já estava esperando por ele.
Alguns minutos depois, Park pediu licença para ir ao banheiro. Aproveitei o intervalo de cinco minutos que o professor ofertou para pegar meu celular e mandar uma mensagem para Lara.
Eu: "Cadê você? Já vamos começar."
Guardei o celular assim que alguém sentou ao meu lado, aliviada por achar que era Lara. Só que não era.
— Com quem você tá falando? — A voz de Luna me pegou de surpresa. Me virei, atônita, encarando-a. — É com o Baek?
Meu corpo ficou tenso, a raiva subindo como um vulcão prestes a explodir.
— Não te interessa.
Ela fez uma careta, aproximando-se com a cara de quem cheirou leite azedo.
— Vou te dizer só uma vez — começou tentando soar ameaçadora, mas só alimentando o meu lado "Jack, o Estripador". — Para de se meter entre o Baek e eu.
— Baek e você? — perguntei, rindo. Sua expressão de raiva só piorou. — Por que eu me incomodaria com vocês dois?
— Sei que a sua família e a dele têm um lance esquisito. — Franzi o cenho. — Tô ligada que ele é obrigado a cuidar de você.
O sangue pulsava na minha cabeça, cada batida mais forte que a anterior.
— Mas agora ele tem a mim, e eu não sou do tipo que divide atenção. Então arruma alguém que não seja meu para cuidar de você.
Antes que eu pudesse responder, Lara finalmente chegou como um anjo salvador.
— Mia! — Luna levantou rebolando de volta ao lugar para esperar por Park. Meu peito ainda estava apertado pelas palavras dela, mas só consegui dar um suspiro e murmurar:
— Tudo bem...
Quando Park passou por mim voltando do banheiro, nossos olhares se cruzaram. A mágoa tomou conta de mim, percorrendo cada veia do meu corpo. Esperei alguma reação. Qualquer coisa. Mas ele apenas sentou ao lado de Luna como se nada tivesse acontecido.
Foquei no trabalho, canalizando toda a frustração. Se eu não podia estrangular ninguém, pelo menos podia garantir uma nota perfeita.
✶✶✶
Durante o intervalo, Lara e eu sentamos para lanchar, rindo das fotos do fim de semana que ela mostrava no celular. Mas a risada parou quando a voz de Park cortou o refeitório.
— Chega, Luna! — disse alto, atraindo a atenção de todos.
Luna estava parada, o rosto vermelho e os olhos marejados.— O que tá acontecendo? — Lara perguntou, mas eu não tinha resposta. Meu peito acelerou, como se soubesse que algo estava prestes a desabar.
— Baek, eu só me expressei errado... — Luna tentou, mas ele riu. Não era uma risada boa. Era o tipo de risada que faria meu coração querer parar se fosse para mim.
— Presta atenção, você. Nós não somos nada. Eu não tenho obrigação nenhuma com você. Nunca tive. Você não é nada pra mim. Ficou maluca? Quem disse que pode se meter na minha vida?
Luna começou a chorar, as lágrimas descendo como uma torneira quebrada.
— Eu não quis me meter, Baek! Só falei que é comigo que você tem que passar mais tempo...
Park olhou ao redor até me encontrar. Eu congelei, tentando manter a respiração sob controle enquanto ele vinha em minha direção. Cada passo parecia mais firme, mais decidido.
Ele parou na minha frente, estendendo a mão. Seus olhos estavam vermelhos, e o rosto queimava de emoção contida.
— Vem... — pediu, sem desviar o olhar.
E eu fui.— Sabendo que era a coisa certa afazer.

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Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.
Teen FictionKimchi com Feijoada Sinopse - Kimchi com Feijoada Park Baek e Amélia Linhares nasceram com 24 horas de diferença e, desde então, suas vidas estiveram entrelaçadas - não por escolha, mas por um "plano perfeito" de suas mães. Cresceram juntos, como pr...